12/09/2009

In vino veritas

Em sua exagerada narrativa sobre nossa viagem ao Azerbaijão, Mr. Bravante omitiu detalhe bastante relevante para os apreciadores de vinho: nossa visita à Ucrânia. Quase todas as ex-repúblicas soviéticas produzem vinho, muito embora tenham sofrido uma sensível redução da área de plantio a partir da campanha antialcoolismo de Gorbatchev, na década de 1980. E, como os demais países do Leste Europeu, todas enfrentam sérias dificuldades: a instabilidade política e a infro-estrutura pouco confiável afastam os investimentos estrangeiros. Além disso, devido à enorme quantidade de pequenos proprietários e cooperativas desorganizadas, é muito difícil manter a qualidade e a consistência dos frutos, bem como a vinificação adequada: em algumas regiões, menos de 10% das uvas são vinificadas em vinícolas profissionais. Com isso, é ainda grande o número de fraudes e vendas para o mercado negro. Outros problemas recorrentes são as longas distâncias entre os vinhedos e os locais de fermentação e a falta de centros de engarrafamento eficiente, o que afeta drasticamente a qualidade final do produto. Enquanto Mr. Bravante vociferava contra a ofensiva norte-americana para incluir a Ucrânia e a Georgia em sua área de influência militar, o que vinha gerando conflitos bélicos na região desde a queda do Muro, eu e Sabina resolvemos partir de oeste para leste, visitando a Georgia, a Ucrânia e a Moldávia. Na última hora, Mr. Bravante e Nikki resolveram ir conosco. Na Georgia, verifiquei que os principais vinhedos ficam nas encostas do Cáucaso, que os protegem dos vigorosos invernos das estepes russas. A tinta mais utilizada é a local Saperavi, uva de cor profunda, com sabores de futas silvestres e frutas negras, que pode gerar vinhos de qualidade quando submetida à vinificação adequada. A principal cepa branca é a local Mtsvane, cujo vinho pode ser cítrico, fresco e apessegado. O principal investidor na Georgia é a Georgian Wines and Spirits Company, da Pernod-Ricard, proprietária também da Jacob's Creek, que, utilizando técnicas australianas, tem produzido um Saperavi rico em frutas negras que enche a boca, e um Mtsvane fresco e cítrico. Embora Sabina tenha nos alertado sobre a severa legislação local, seguimos completamente alcoolizados pelas gélidas estradas que nos levariam à Ucrânia. A paisagem era belíssima: de um lado, as montanhas do Cáucaso, do outro, as nefastas águas do Mar Negro. Chegando à península da Criméia, verifiquei que, dessa vez, quem protegia suas vinhas do inverno era o Mar Negro. Ao chegarmos, fomos direto à Magarach, onde visitamos um importante centro de pesquisas viticulturais. Em seguida, partimos para Yalta, onde se localiza a Massandra Winery, empresa que controla a maior parte da produção de vinhos da Ucrânia. Localizada numa região quente e ensolarada, produz uvas ideais para a produção de vinhos fortificados e de sobremesa.Construída em 1894 para abastecer o palácio de verão do czar, hoje a adega Massandra é utilizada para finalizar e engarrafar o vinho produzido na região, entre eles o espumante Krim e o Ruby, um corte rústico elaborado a partir das cepas Saperavi, Matrassa e Aleatika. Para se ter uma idéia da qualidade dos vinhos produzidos em Massandra, Mr. Bravante lembrou-nos de um leilão realizado pela Sotheby’s em 2001, quando uma garrafa de Sherry de la Frontera 1775, foi vendida por US$50,000.00. Graças a Nikki, filha de um antigo líder do partido comunista russo, tivemos a oportunidade de degustar um extraordinário Massandra South Coast Tokay 1948, comprado por US$300.00 na loja da histórica adega (veja foto ao lado). Seguimos, então, em direção à Odessa e descemos até chegarmos em Cahul, na Morávia, onde a vinícula Acorex tem realizado pesquisas sob a supervisão de um vinicultor italiano cujo nome esqueci. Os arqueólogs afirmam que se produz vinho na Moldávia há cerca de 5.000 anos e, de fato, os sauvignon blancs e os pinot gris que experimentamos eram espontaneamente frescos e deliciosos. Outra boa surpresa foi o Carlevana Raritet 2003, um corte de cabernet sauvignon, merlot e rara neagra, produzido pela vinícola Dionysos-Mereni. Foi com esse tinto repleto de frutas negras e taninos luxuriosos que, passando pela Ucrânia para retornar ao Azerbaijão, assistimos ao vigoroso show do contrabaixista de jazz ucraniano Igor Zakus. Um dos melhores músicos de jazz daquele país, Igor nasceu em Chervonograd e graduou-se em oboé pela Music Academy of Lviv, embora sempre praticasse o baixo elétrico. Também compositor e professor, Igor foi um dos fundadores do JazzKolo Project e lidera sua própria banda, formada por Dmitry "Bobeen" Alexandrov (ts), Rodion Ivanov (key), Volodymyr Shabaltas (g) e Olexander Lebedenko (d). Considerado o melhor baixo elétrico de jazz da ucrânia, Igor funde elementos folclóricos de seu país com o funky groove da mais alta qualidade, com uma poderosa pegada, repleta de furiosos slaps e uma noção melódica bem determinada. Para os amigos deixo a faixa Zakus Was Here , retirada do álbum Zakus Was Here Live, gravado em 2007. Uma boa safra, não é mesmo Mr. Bravante?

16 comentários:

Frederico Bravante disse...

Boa? Excelente safra Lester!

Internauta Véia disse...

Imaginando a deliciosa "viagem",e com a excelente faixa musical,fiquei saboreando um queijinho solitário,na falta de um tinto honesto para acompanhar...Maravilha de resenha,Mr.Lester!

thiago disse...

baixo sinistro

thiago disse...

baixo sinistro

Érico Cordeiro disse...

Uma viagem enólogo-musical da melhor qualidade, Mr. Lester. E que vista maravilhosa - "de um lado, as montanhas do Cáucaso, do outro, as nefastas águas do Mar Negro"!
Quanto ao Igor Zakus, seu som é bastante interessante. Adquirir-lo-ia se o encontrasse pelas prateleiras virtuais, mas creio que é necessário ir à Ucrênia para encontrá-lo.
Valeu pelas dicas, dos vinhos e do artista!
Abração!

John Lester disse...

Como disse Caetano: a Ucrânie é aqui. Grande abraço, JL.

Sergio disse...

Como sempre tudo aqui é de excelente safra & raro, mr.. E dessa vez deu até p'reu ouvir meu Zakus "igor zakus & z- band, - zakus was here", recem baixado, sem a interferência dos pod casts vossos tocando todos ao mesmo tempo agora. A Rede apronta algumas, sem escolher quem, cs sabem, né?

Valeu a dica. Agora deixem me caçá-lo (o zakus).
Abraços.

pituco disse...

o som é assimilável...aliás,já ouvi outros cds do zakus.

curiosidade pessoal...qual outro meio de transporte pra percorrer essa rota?

abraçsons pacíficos

olmiro muller disse...

O jazz não tem fronteiras nem ideologias. Excelente esse sax tenor.

John Lester disse...

Prezados amigos, posso enviar cópias gratuitas do álbum para os interessados.

Grande abraço, JL.

Andre Tandeta disse...

Mr. Lester,
eu gostaria de receber uma copia, por favor.
Gostei muito do som.
Ha muita musica boa e muito musico bom, pelo mundo afora.
"Estamos aguardando".
Abraço

Andre Tandeta disse...

Mr Lester,só mais uma coisa:
o Sr com certeza notou que se trata de um blues, o estilo mais tocado no mundo,e os ucranianos arrasam. O que mais me chamou a atenção foi o saxofonista que tem excelente vocabulario,grande fluencia e um som muito bonito.
Abraço

Salsa disse...

nome estranho, o do bom vinho australiano. Imagine se traduzissem os rótulos: "córgo" do Jacó (Jacob's creek), com certeza seria confundido com cachaça.
O som é bacana. O jazz europeu tem nos legado boas coisas. Valeu

LeoPontes disse...

Fantastico walking-bass eletrico.Igor Zakus nada deixa a desejar se compararmos com outros do mesmo quilate. Total harmonia e liberdade. Muito bom.

Somzão!

Abrçs

John Lester disse...

Prezado Leo, que bom que aprovou nosso amigo ucraniano. Agora é dar o start em seu blog para conhecermos mais sobre a fusion.

Grande abraço, JL.

Roberto Scardua disse...

Essa eu perdi!!!

Valeu Lester.