30/10/2009

Charlie Christian (1916-1942)

Depois de ler as duas resenhas de Mestre Edù sobre Benny Goodman, como não escrever algumas breves linhas sobre Charlie Christian, um dos poucos instrumentistas do jazz capazes de lançar alguma sombra sobre o virtuoso clarinetista? Guitarrista do Swing e do Bebop, Charlie nasceu em Dallas, Texas, no dia 29 de julho, mas passa uma infância humilde em Oklahoma City. Filho de um guitarrista e cantor itinerante cego, seus dois irmãos também demonstram inclinação musical, embora não cheguem a se destacar. Pobre demais para poder comprar um instrumento, constrói sua primeira guitarra com caixas de cigarro vazias e, em pouco tempo, estabelece sua reputação entre os músicos locais. No início da década de 1930, Charlie começa a trabalhar profissionalmente em pequenas bandas da região (territory bands), como as de Anna Mae Winburn (que mais tarde seria a líder do grupo Sweethearts of Rhythm), Nat Towles e Alphonso Trent (onde toca contrabaixo). Por volta de 1937, Charlie inicia suas experiências com a guitarra amplificada eletricamente, ao mesmo tempo em que amplia sua reputação de excelente guitarrista. Com o apoio de Mary Lou Williams, Charlie é ouvido por John Hammond no Ritz Café, em Oklahoma City. Impressionado com o talento do jovem, Hammond tenta persuadir Benny Goodman a convidá-lo para uma sessão de gravação, em Los Angeles. Embora não estivesse muito convencido acerca das possibilidades da guitarra elétrica e não aprovasse as roupas demasiadamente coloridas de Christian, Benny concorda em recebê-lo no restaurante Victor Hugo, em Beverly Hills, onde se apresentava. Auxiliado por Hammond, o guitarrista carrega sua incômoda parafernália elétrica para o palco, onde um Benny Goodman contrariado e furioso inicia Rose Room, tema que acreditava não fosse conhecido por Christian. No entanto, quando chega a vez de Christian realizar seu solo, improvisa 25 brilhantes choruses (variações sobre o tema), entusiasmando o público, os músicos presentes e o próprio Benny Goodman, que pedem bis. Infelizmente os 45 minutos de apresentação dessa noite memorável não foram gravados, mas Christian saiu do palco empregado como o mais novo integrante do famoso sexteto de Goodman. Foi a partir daí que, com a enorme exposição pública oferecida por Goodman, Christian alcança a fama e a fortuna, conquistas que não soube administrar: tocando com qualquer um e em qualquer lugar, Christian dorme pouco, mergulha na bebida e abraça a promiscuidade, o que lhe rende uma importante tuberculose em 1941. Internado e com a saúde devastada, recebe a visita de amigos que realizam festanças ali mesmo no hospital, ao lado de seu leito, até que conseguem matá-lo no dia 02 de março. E o que mais chama a atenção no curto trajeto de Christian não é o fato de ter utilizado a guitarra amplificada eletricamente – ele não foi o primeiro a fazê-lo. Ao contrário de Vovô Acácio, o inventor da cuíca elétrica, a mais importante contribuição de Christian foi a de ter escrito o roteiro da guitarra no estilo Bebop, contribuição levada a efeito nas muitas sessões realizadas no Minton’s Playhouse, famoso clube do Harlem, em New York, ao lado de Charlie Parker e Dizzy Gillespie, algumas delas felizmente gravadas por um fã. Seu estilo contido e aparentemente simples ocultava um discurso brilhante e inventivo, inaugurando os longos legatos e desenvolvendo ambiciosas progressões de acordes que determinariam não apenas o caminho a seguir por seus companheiros de instrumento, como também influenciando solistas de outros instrumentos. Charlie é mais um desses gênios que, como Vovô Acácio, nos abandonam antes de esgotarem todo seu potencial criativo. Para os amigos ficam algumas sugestões discográficas e a faixa Rose Room , aquela com que Benny tentou dar uma rasteira em Christian.
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The Genius of the Electric Guitar - 1939-1941 - Columbia CK 40846 - Este cd é fruto de uma difícil seleção feita a partir do box set de mesmo nome, com 4 cd's. São 16 faixas que constituem uma excelente introdução ao trabalho de Christian. Contudo, para os colecionadores ou amantes da jazz guitar, o box set constitui melhor compra. Essencial em qualquer discoteca de jazz e recomendado apenas para aqueles que não puderem comprar o box set. Com Cootie Williams, Alec Fila, Jimmy Maxwell, Irving Goodman (t), Cutty Cutshall, Lou McGarity, (tb), Benny Goodman (cl), Gus Bivona, Skip Martin (as), Georgie Auld, Pete Mandello (ts), Bob Snyder (bs), Lionel Hampton (vib), Count Basie (p), Dudley Brooks, Johnny Guarnieri, Fletcher Henderson (p), Artie Bernstein (b), Harry Joeger (d), Jo Jones, Nick Fatool, Dave Tough (d).

The Genius of the Electric Guitar - 1939-1941 - Columbia CK 65564 - Box set com 4 cd's apresentando 98 faixas com notável qualidade sonora, fruto de cuidadosa remasterização. Sem dúvida uma documentação importante não apenas para observarmos a curta carreira desse guitarrista que morreu aos 25 anos de idade, como também para ouvirmos boa parcela do melhor jazz que se produziu nesse período. E, embora alguns sardônicos críticos questionem a real importância de Charlie Christian, alegando que ele não foi o primeiro guitarrista a tocar guitarra elétrica (parece ter sido um tal de Lloyd Loar, um funcionário da Gibson), nem o primeiro guitarrista do jazz a tocar guitarra elétrica (parece ter sido Eddie Durham, que gravou em 1938), não há como negar que foi ele quem deu nova performance à guitarra elétrica, substituindo a técnica utilizada na guitarra acústica, revolucionando o papel do instrumento no jazz e, sem exagero algum, na música. Tudo isso fica muito claro nestas gravações realizadas com Benny Goodman e convidados de peso, como Lester Young, Count Basie, Benny Carter, Bucky Clayton e Gene Krupa. Não bastasse, acompanha farto livreto de Peter Broadbent e detalhada informação discográfica de Loren Schoenberg e Les Paul. Com Jimmy Mundy (arr), Cootie Williams, Alec Fila, Jimmy Maxwell, Irving Goodman, Bucky Clayton, Ziggy Elman, Harry James, Johnny Martel (t), Cutty Cutshall, Lou McGarity, Red Ballard, Vernon Brown, Cutty Cutshall, Jack Teagarden, Ted Vesely (tb), Benny Goodman (cl), Gus Bivona, Skip Martin, Buff Estes, Toots Mondello, Les Robinson (as), Georgie Auld, Pete Mandello, Bus Bassey, Lester Young, Jerry Jerome, Eddie Miller (ts), Bob Snyder (bs), Lionel Hampton (vib), Count Basie, Dudley Brooks, Johnny Guarnieri, Ken Kersey, Fletcher Henderson (p), Arnold Covey, Freddie Green (g), Artie Bernstein, Bob Haggart, Walter Page (b), Harry Jaeger, Jo Jones, Nick Fatool, Dave Tough, Gene Krupa (d), Helen Forrest (v).

16 comentários:

edú disse...

Caro JL,

por isso não me aprofundei muito em Charlie Christian na resenha de BG.Ele merecia, e obteve, um generoso verbete de sua parte.Christian foi o primeiro guitarrista de jazz a tocar para grandes audiências (milhares de pessoas).A referida cx é o trabalho gráfico mais encantador que já apreciei até hoje nos lotes de lançamentos das gravações resgatadas e resmaterizadas.O conteúdo sonoro então, absolutamente deslumbrante.Todavia, nos meus alfarrábios, há o registro que Charlie Christian nasceu em 29/07/16 e morreu em 02/03/42.Portanto com com 26 anos incompletos.

edú disse...

Em tempo, dormir pouco, mergulhado na bebida e abraçado na promiscuidade.Um doce maneira de dizer adeus à vida.

Érico Cordeiro disse...

Caro Mr. Lester,
Uma fabulosa resenha, que resgata a trajetória de Christian e permite que conheçamos um pouco da sua história e influência.
Quem veio depois, certamente bebeu daquela fonte riquíssima.
Abração!

John Lester disse...

Prezado Mestre Edù, seus registros estão absolutamente corretos. Eu é que, como bom Matemático, sempre fui muito ruim em contas.

Certamente alguém será despedido da redação do Jazzseen, provavelmente o revisor. Por hora, ordenarei a imediata correção do texto por meus auxiliares da redação, até que as investigações apontem o responsável pelo inadmissível erro de digitação.

Agora preciso ouvir Mestre Salsa!

Grande abraço e obrigado, JL

APÓSTOLO disse...

Prezado JOHN LESTER:
Com certeza os "sardônicos críticos" de CHRISTIAN não tem a menor idéia da importância desse "chefe-de-escola".
Em resenha que faço mensalmente para o "Hot Club de Piracicaba" sempre foco a figura de um guitarrista e, no caso de CHRISTIAN assinalei que:
"Mas Christian desencadeou “a revolução” e a “emancipação” da guitarra: a partir dele a prática totalidade dos guitarristas aderiu à guitarra elétrica, sendo que muitos imaginam que Christian foi o “inventor” da mesma.
Sendo o primeiro guitarrista a intuir e a explorar plenamente o potencial da amplificação elétrica e com seus solos “single string”, suas concepções e inovações harmônicas (uso de acordes aumentados e diminuídos), sua forma de criar melodias explorando o giro harmônico, seu “swing” e sua marcação rítmica em 4x4, foi ele que assinalou em definitivo a maioridade da guitarra no JAZZ.
Fraseado perfeito e incisivo, prodigiosa inventividade em solos intermináveis construídos com linhas melódicas sempre renovadas, sem repetições e que se entrelaçavam (legato) com lógica absoluta, concepção musical muito adiantada para sua época pela exploração de intervalos com 9ªs, 9ªs menores, 11ªs e 13ªs que enriqueciam enormemente sua execução harmônica, sem dúvida Charlie Christian foi um “chefe-de-escola”."
Sua resenha é mais que importante, já que acima e além de expor o essencial de CHRISTIAN, indica o melhor dele em gravações.
Permití-me copiá-la para meus arquivos, como objeto de pesquisa permanente.
Grato ! ! !

John Lester disse...

Amigo Apóstolo, quão gentis suas letras.

Sempre, desde que criei o Jazzseen, procurei seduzi-lo através de resenhas, comentários e, em vão, tantas outras artimanhas, tudo sem adequado sucesso. Sua presença aqui hoje, se é que real, parecia-me sempre distante e obtusa. A tristeza, em mim, era permanente.

Mas quanta surpresa e felicidade ao vê-lo freqüente e lépido no blog do amigo Érico Cordeiro, nosso Machado de Assis do Jazz. Numa pontada incômoda de ciúmes, pensei comigo: terei alguma chance agora, eu, um simples aspirante a Lima Barreto de Nórlins obter as graças de Mestre Apóstolo?

E aqui estamos, todos nós, colhendo os frutos de três anos de plantio insano em favor do jazz, tendo por replemento os comentários de Mestre Apóstolo, figura que, embora eu não saiba quem seja, certamente é amante incondicional, e defensor arredio, desse estilo que míngua a cada dia, a cada hora, a cada segndo.

Se minha resenha tinha por objeto mera elegia a tão esquecido mestre das cordas energizadas, seus comentários como que realçam e trazem a lume a beleza da genialidade quase ingênua do jovem guitarrista. E, ao mesmo tempo, regojizam este pobre resenhista.

Que os deuses o mantenham assim.

Grande abraço, JL.

Érico Cordeiro disse...

Mestre John Lester,
Abaixo reproduzo a resposta a seu comentário postado no Jazz + Bossa. Obrigado pela deferência - fico honrado e verdadeiramente comovido.

"A belíssima semeadura feita por você rende belos frutos. Há toda uma comunidade de adeptos que gravitam em torno daquela casa abençoada pelos deuses do jazz e que, para minha felicidade e deleite, também prestigia este modesto espaço.
O Jazzseen é a mãe generosa e acolhedora de tantos blogs de jazz, cujos assíduos freqüentadores vêm construindo uma alegre e saudável confraria ao longo desses três anos. Confraria à qual me agreguei e que tenho um grande orgulho de pertencer.
O seu jardim ora brota viçoso e colorido - regado que tem sido com tanto esmero e carinho. O Apóstolo e o Raffaelli, decanos da crítica jazzista desse país e figuras emblemáticas de um jornalismo sério, honrado e decente (o marrom parece ser hoje a cor preferida dos nossos jornalistas) devem estar orgulhosos das sementes que plantaram e dos caminhos que, de forma pioneira, abriram - o Jazzseen traduz como nenhum outro os frutos da jornada desses ilustres predecessores.
Evoé, meu capitão!"

edú disse...

Olha que essas palavras dedicadas ao Apóstolo estão perigando se tornar tão boa quanto à resenha (rs,rs,rs).Faço moção para q na próxima reunião de nosso conselho editorial se inclua na coluna de links o endereço dos colegas do Hot Clube de Piracicaba.

APÓSTOLO disse...

Prezados JOHN LESTER, EDÚ e ÉRICO:

Atrevo-me a entender que em uma história (muitas vezes "estória") com mais de 100 anos, com alentada parte baseada em transmissão oral (e ponhamos versões tantas e tantas vezes diferentes dos mesmos "fatos"), aquele que se atreve a saber tudo é, no mínimo, pouco inteligente.
Por esse motivo busco sempre informações adicionais ou sobre aquilo que desconheço no JAZZ (a música dos músicos, a Arte Popular Maior), como forma de permanente aprendizado.
E tenho conseguido bons frutos, historicamente com meu Mestre Maior, o LULA (do bem), por meio do CJUB, do JAZZSEEN, do ÉRICO CORDEIRO, do HOT CLUB DE PIRACICABA, do Museu de Cera e outras ancestralidades do bom MÁRIO JORGE e de busca incessante por outros blogs.
Como publicou no passado o "Pif-Paf" (O Cruzeiro, lembram-se???!!!), para aprender muito antes de mais nada é necessário ser profundamente ignorante.
Assim, vou somando às generosas fatias publicadas (quando de qualidade como os citados anteriormente) às minhas migalhas, para corrigir e constituir um acervo, que me dá alegria, prazer espiritual e energia diária.
Grato a todos pelo que fazem ! ! !

APÓSTOLO disse...

Prezados JOHN LESTER, EDÚ e ÉRICO:

Em tempo, como hoje é sábado, vou permitir-me sorver um "Chateau Les Vergnes" (Bordeaux, evidentemente, de 2005), que se não é nem de longe um "Petrus" (quem sou eu....), valerá um belo brinde a todos os que apreciam o bom JAZZ (com a vantagem do preço, que consigo alcançar).
Saúde ! ! !

edú disse...

Não sou do tempo do Cruzeiro, peguei o final da Realidade - a melhor revista brasileira, junto com a Senhor, que tive a oportunidade de ler - cujos alguns números comprei em sebos.Mas sei q o Pif Paf é obra e graça do Millôr.Por mais que tenha imensa admiração pela obra de Nelson Rodrigues jamais concordei com sua afirmação que "David Nasser é o maior repórter da imprensa brasileira".Por isso discordo de meu irmão Èrico quanto sua avaliação dessa entidade.A seria, competente é ungida nos seus princípios editoriais ,mesmo quando cerceada - como ocorre com um dos nossos grandes jornais paulistas - e da publicidade às ilicitudes de pessoas públicas ou não.Além do que sofro pena de severas restrições intimas se não defender a classe à qual pertence minha alminha gêmea.Bom final de semana a todos.

Andre Tandeta disse...

Mr.Lester,
parabens pelo excelente e informativo texto.
Jazzseen é lugar obrigatorio pra mim,e creio que pra todos que gostam de jazz de verdade.
Abraço

Bruno Leao disse...

Não quero desvirtuar o excelente debate acima, mas o video ao lado está me desnorteando. Assim fica difícil ler em paz a resenha

APÓSTOLO disse...

Prezado EDÚ:

Mais uma vez assino embaixo sua afirmação quanto às excelentes revistas "Realidade" e "Snhor", assim como sobre a autoria do "para aprender muito antes de mais nada é necessário ser profundamente ignorante" (Millor).

Salsa disse...

Meu computador precisa de uma formatação. Está "caindo" constantemente. Por isso a demora em por aqui passar. Christian é soberbo. tenho uma caixa que, vez e outra, dou uma conferida.
Belo post, mr. Lester.

John Lester disse...

Quanto mais aprendemos, mais dúvidas formulamos. Quanto mais dúvidas temos, mais ignorantes nos tornamos. Moral da estória: acabaremos nossos dias escavando a terra, em busca de raízes e lp's de jazz.

Perdoem minha sintética aparição mas é que ainda me recupero dos $120 pagos por um Peñalolen no Spirito Jazz. Casa que, se não chega aos pés do Bourbon Street, ao menos possui melhores vinhos.

Mestre Salsa estava perfeito sob o chapéu de gangster, empunhando seus saxes, Antenor e Altoé. Grande noite.

Abraços a todos os amigos que têm feito nossos dias melhores e, Mestre Apóstolo, saúde! Afinal, o melhor dos vinhos é aquele que bebemos com os amigos.