03/10/2009

Elas também tocam jazz - Valaida Snow

Gostaria de assumir total responsabilidade pela ausência da coluna Elas também tocam jazz no mês de setembro. Era atribuição minha sua feitura e, como que tentando compensar a falha, prometi a Mr. Lester elaborar duas resenhas para a coluna feminina no mês de outubro, sem quaisquer ônus adicionais para os sócios contribuintes do Jazzseen. A de hoje vai tratar de Valaida Snow, caso de apogeu e queda pouco suscitado entre os amantes do jazz. A moça nasceu em Chattanooga, Tennessee, no dia 02 de junho de 1903*, no seio de uma família de artistas. Sua mãe, professora de música e entertainer (misto de apresentadora, instrumentista, dançarina e humorista), ensina às filhas Valaida, Lavaida e Alvaida uma série de instrumentos, entre eles violoncelo, contrabaixo, clarinete e saxofone. As meninas também aprenderam a cantar e dançar, mas Valaida demonstraria talento especial na utilização do trompete, tornando-se a trompetista mais famosa no período que antecedeu o swing. Segundo a pianista Mary Lou Williams, que "sempre apreciou seu modo de tocar, sobretudo quando emitia aqueles dós agudíssimos no estilo de Louis Armstrong" - ver as notas do álbum Jazz Women: A Feminist Retrospective, lançado pela Stash em 1977 - Valaida "poderia ter se tornado uma grande trompetista caso ela tivesse abandonado o canto e se concentrado no instrumento". Aos quinze anos Valaida já atuava profissionalmente, cantando, dançando e tocando em shows na Philadelphia e em Atlantic City. Em 1922, apresenta-se em New York, no popular cabaré de Barron Wilkin, no Harlem. O sucesso foi imediato e as apresentações multiplicaram-se, inclusive nos teatros de revista: em 1924 Valaida apresenta-se nos musicais negros The Chocolate Dandies (de Noble Sisse e Eubie Blake) e Will Masten's Revue. As turnês pelos EUA são numerosas, em especial as realizadas em companhia do Will Mastin Trio. Entre 1926 e 1928, Valaida parte para o Extremo Oriente, apresentando-se com a banda de Jack Carter. De volta aos EUA, Valaida apresenta-se em diversos clubes, inclusive no Sunset Café, de Chicago, onde é admirada pelo público e até mesmo por músicos como Louis Armstrong. Em 1929, parte novamente em turnê, dessa vez pela Rússia, Oriente Médio e Europa. Em 1933, já de volta aos EUA, Valaida lidera sua própria banda no famoso Grand Terrace Ballroom, em Chicago, contando com a presença de ninguém menos que o genial pianista Earl Hines entre seus músicos. Nesse mesmo ano realiza sua primeira gravação e passa a integrar a orquestra de Earl Hines, com a qual parte em turnê durante um ano. Em Londres, apresenta o show Blackbirds 1934 e, ainda na década de 1930, realiza uma série de curta-metragens em Los Angeles, como em Take It from Me e Irresistible You, e na França em L'Alibi (1936) e Pièges (1939).
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Além de talentosa e cheia de energia, Valaida era considerada bonita para os padrões da época, atributos que não seriam suficientes para que uma mulher, ainda por cima negra, fosse reconhecida por seu verdadeiro valor artístico, nem mesmo entre seus amigos músicos. Sua extrema competência como cantora, trompetista, arranjadora, dançarina e líder de banda não passava de mera curiosidade para o grande público, que se divertia muito ao ver uma negra tocar trompete. Ainda assim, Bobby Short passa a chamá-la de "Fable Valaida Snow" e Valaida recebe títulos como "Queen of the Trumpet" e "Little Louis". Em 1936, após ocupar o cobiçado Apollo Theatre, Valaida decide instalar-se na Europa, fixando-se primeiro em Paris e depois na Escandinávia. Nesse período, grava bastante e apresenta-se em diversas cidades da Europa, obtendo um sucesso poucas vezes igualado por um músico de jazz. Mas tudo desmorona para Valaida quando, por volta de 1940, é presa pelos nazistas que ocuparam a Escandinávia, sendo levada para um campo de concentração, onde permanece por cerca de dois anos*. Após ter sido libertada, Valaida retorna para os EUA bastante debilitada, tanto física como psicologicamente, sendo atendida pelo produtor Earle Edwards, com quem se casaria mais tarde. Parcialmente recuperada do trauma, Valaida volta a se apresentar, inclusive no Apollo Theatre, mas já não apresenta o brilho contagiante dos velhos tempos, passando a interpretar um repertório mais comercial e solando cada vez menos ao trompete (veja suas gravações das décadas de 1940 e 1950). Em 1943, ao vê-la se apresentando, Earl Hines não foi capaz de reconhecê-la. Em 1956, um pouco depois de sua apresentação no Palace Theatre de New York, Valaida sofre uma hemorragia cerebral, falecendo aos 52 anos de idade. Para os amigos, fica a faixa It had to be you .* As informações sobre Valaida Snow são bastante desencontradas e, por vezes, incompatíveis entre si. Das fontes consultadas, entre elas Black Women in American Bands and Orchestras, de D. Antoinette Handy e Who's Who of Jazz, de John Chilton, ainda prefiro recomendar ao argonauta interessado a obra Stormy Weather: The Music and Lives of A Century of Jazzwomen, de Linda Dahl (Limelight Editions, New York, 1989, p. 81-82).

12 comentários:

John Lester disse...

Depois vocês ainda vêm reclamar dos emolumentos. Faça-me o favor!

Aguardo a segunda resenha Elas também tocam jazz.

JL.

Érico Cordeiro disse...

Caro Roberto.
Parabéns pela bela resenha, enfocando essa obscura cantora/trompetista, cuja vida renderia um ótimo filme.
De fato, há muito pouca informação disponível sobre a Valaida, mas é certo que o período em que esteve em mãos dos nazistas acarretou-lhe prejuízos físicos e psicológicos gravíssimos.
Embora tivesse retornado aos EUA, ela jamais foi a mesma pessoa e artista (como você bem frisou) - e os motivos foram poderosíssimos.
Um fraterno abraço!!!!

Salsa disse...

Gosto desse tema. Fiz uma versão em português (com a devida liberdade para mudar algumas tantas idéias. Cante junto:
Só mesmo você
Somente você
Pra tirar meu chão
fiquei na contramão
não sei se norte ou sul
não sei se luz
ou se escuridão
se triste ou feliz
tudo o que eu quis foi um sim ou um não.
As outras, enfim,
não são nada pra mim,
Antes, durante, após,
um sentimento atroz
toma conta de mim.
Quem poderá me dizer
onde foi que eu errei...
só mesmo você
ninguém mais que você
somente você

Roberto Scardua disse...

Obrigado aos amigos poetas Érico e Salsa e mil desculpas a Mr. Lester pela ausência do Elas também tocam jazz no mês de outubro. A segunda resenha sobre as meninas sairá ainda em outibro, prometo. Valeu!

Paula Nadler disse...

Adorável resenha e notável versão do Salsa. Parabéns a ambos. Beijos.

edú disse...

A convenção de Genebra(sic) afirmou em razão do papel heróico prestado pelo nossos mártires do jazz recomendação de cautela na audição de Rosa Passos e Zimbo trio.

John Lester disse...

O Tratado de Gengibre (arc) determina, recomendando, que assim como o bacalhau fresco, Rosa Passos e Zimbo Trio devem ser servidos após uma hora de forno alto, devidamente amontoados com batatas médias pré-cozidas e centenas de toneladas de fartas fatias de cebolas pré-fritas em azeite extra virgem.

Aqui mesmo, no Jazzseen, o Zimbo Trio já foi servido com Sonny Stitt, e não ficou mal.

Mas dê preferência ao azeite com acidez menor que 0,5%.

Grande abraço a todos, JL.

Augusto Carlos disse...

Bela matéria Roberto, parabéns.

edú disse...

Com Sonny Stitt até feijoada - de preferência kosher - fica bom no calor de 43º na sombra.

MJ FALCÃO disse...

Muito bom! Gosto de ver o seu blog.
o falcão

thiago disse...

moça nociva

Internauta Veia disse...

Lester cê é doido! Só mesmo vc.(e o Cravinho)para me fazer rir de estômago vazio...!