Livro: Hoje não há livro, há apenas um poema de nosso amigo Érico Cordeiro, responsável por um dos melhores blogs brasileiros de jazz. Um poema de letras pequenas, mas de alma grande:
Oh! tecelão inepto de afazeres obscuros,
Vejo-te a aguar o jardim desertificado de tantas dores,
Observo-te a mourejar por sobre a hiléia amarfanhada,
Admiro a tua pertinácia improdutiva
As plantas moribundas desafiam a tua convicção
Zombam do teu empenho
Insistem em negar-te o viço que tanto anseias...
Passeando por entre as touceiras inertes,
Desafias a inclemência do sol,
A insensibilidade das chuvas,
A pachorra do vento...
Mas teu jardim é infecundo,
Nele brota apenas aquela concórdia intuitiva e resignada,
Desabrocham ali somente guirlandas de espinho,
Anti-flores soturnas e vãs
Me compadeço do teu labor insensato,
Mas não esmoreces e nem refreias o ímpeto,
Continuas a arrochar as cravelhas do alaúde,
Mesmo estando ele sem as cordas,
Continuas a polir os velhos coturnos,
Embora saibas que não há efemérides
Nem diplomas ou medalhas,
Nem apertos de mão,
Comove-me a tua hermenêutica singela,
Apraz-me a tua dignidade burlesca,
Seduz-me o teu discurso calado e sem verbo
Porque no fundo,
Sou como tu e vivo da mesmíssima maneira
Rego um jardim sem flores,
Afino um instrumento que não produz som algum,
Lubrifico as armas para o combate que jamais travarei,
Executo o mesmo ofício de desesperança
Percorro a mesma jornada fragmentária
E o teu caminhar por entre as vastidões inanimadas
Repercute nos passos que são meus
Oh! agricultor da fome,
Oh! menestrel do silêncio,
És a quietude impávida da tarde lustrosa
És o meu reflexo convulsivo,
Pátina esmaecida cujo tônus escorre ainda
Por entre os desvãos imaginários do espelho que me fita.
Fonte: Jazz + Bossa.