29/03/2010

Livro: Jazz ao seu alcance

Jazz ao alcance de todos? Sim, é isso mesmo, segundo Emerson Lopes: "O principal objetivo deste livro é desmitificar o jazz e mostrar que uma "pessoa normal" pode ter prazer em ouvir Miles Davis, Dizzy Gillespie, Duke Ellington e tantos outros mestres. O melhor exemplo para ilustrar isso é a minha própria experiência. Não sou músico, não fui influenciado pelo amigo, irmão, pai ou mãe, não tive a revelação mais importante da minha vida ao ouvir este ou aquele tema de jazz, não bebo uísque ou fumo charuto, nunca chorei ao ouvir um solo de piano, sax ou trompete e muito menos quero parecer "cool" ou culto porque escuto jazz. O meu caso pode ser exceção, mas servirá para responder algumas questões e quebrar alguns tabus, entre eles, que o jazz é uma música difícil de ouvir e que apenas pessoas mais velhas e com mais instrução podem apreciá-la". São as palavras do autor, Emerson Lopes. Os interssados podem comprar seu exemplar na Livraria Cultura ou Multifoco Editora. Conheça um pouco mais sobre Emerson através da entrevista a seguir, concedida ao blog Jazz no país do improviso, em 2007: Emerson Marques Lopes, jornalista há 10 anos, colaborador da revista Jazz + e autor do site Guia de Jazz. A sua ligação ao Jazz começou quando trabalhava na loja Mr. Music, no bairro dos Jardins, em São Paulo, e prolongou-se até à loja Musical Box, no bairro de Higienópolis, que está há 25 anos no mercado e já teve um dos melhores acervos de jazz e música clássica da cidade. Emerson está ligado a Portugal por laços familiares pois o seu pai e avôs maternos e paternos são portugueses.


JNPDI: Como está o panorama do Jazz no Brasil em termos de interesse do público, media, editoras? Tem aumentado ou diminuído?

Emerson Lopes: A música instrumental brasileira, o que podemos traduzir como jazz brasileiro, tem passado por um bom momento. É claro que ainda há grandes dificuldades, mas em comparação com a década passada já avançámos bastante. Hoje há mais espaço para os músicos se apresentarem ao vivo e um interesse maior do público. A Internet tem ajudado muito na divulgação de novos talentos e no acesso a instrumentistas que não têm espaço na grande mídia. Os veículos de comunicação ainda são um problema. Não há espaço na televisão aberta para instrumentistas. A excepção é a TV educativa do Estado de São Paulo, a TV Cultura, que tem em sua programação programas como o Ensaio (programa que está há 30 anos no ar) , Sr. Brasil (programa que abre espaço para a música regional do Brasil) e Vila Minha Viola (programa que destaca os grandes nomes da música sertaneja do Brasil). O mesmo problema acontece com a mídia impressa. Há uma publicação especializada sobre jazz chamada Jazz+, da qual sou colaborador, e algumas revistas segmentadas para instrumentistas como a Sax & Metais, Guitar Cover e Acústico.

JNPDI: Qual é actualmente o evento/festival mais importante realizado em torno do Jazz em São Paulo?


EL: Sem dúvida o festival mais interessante na actualidade é o Tudo É Jazz, que acontece anualmente [desde 2002] na cidade de Ouro Preto, no Estado de Minas Gerais. O festival sempre traz atracções internacionais e na maioria das vezes jazzistas de vanguarda dos Estados Unidos e da Europa. Este ano, nomes como Madeleine Peyroux, Wallace Roney, Joshua Redman e Ingrid Jensen foram confirmados para a 6º edição do festival, em Setembro.

JNPDI: Existe literatura sobre a história do Jazz no Brasil?


EL: A literatura é pouca em língua portuguesa. É claro que temos grandes livrarias que vendem os principais livros editados nos Estados Unidos, mas há o problema do idioma. Em português, podemos destacar o livro Jazz: Das Raízes ao Pós-Bop, de Augusto Pellegrini, e Jazz Panorama, de Jorge Guinle.

Este ano foi lançado no Brasil o livro Kind of Blue – A História da Obra-prima de Miles Davis, de, Ashley Kahn. A mídia escrita deu grande destaque para o lançamento e o livro conseguiu uma boa vendagem em comparação com outros livros do mercado editorial brasileiro. Foi uma boa surpresa para todos nós que tentamos divulgar o jazz por aqui.



JNPDI: Como classificaria os preços dos discos de Jazz no Brasil? As vendas são boas? Quanto pode vender um disco de jazz de sucesso?

EL: As vendas de discos em geral estão baixas. Há muita pirataria no Brasil. Para você entender bem aqui vai um número assustador. A cada dois CDs vendidos no Brasil, um é pirata, ou seja, a pirataria representa 50% do mercado de disco do Brasil. Aliado a isto, os downloads pela Internet são outro problema difícil para ser combatido. Mas é importante dizer que um disco original no Brasil custa muito caro, em média 14 euros, o que é elevado para um país onde o salário mínimo é de 150 euros. Hoje em dia, um disco que vende bem chega no máximo a 100 mil cópias, o que é pouco em comparação há 10 anos, quando os campeões de vendas chegavam entre 600 mil e 1 milhão de cópias. Não há muitos discos de jazz lançados pelas gravadoras brasileiras. A maior parte do acervo de jazz que encontramos nas lojas são importados dos Estados Unidos.

JNPDI: Quem for a São Paulo em viagem onde pode ir ouvir bom Jazz ao vivo?

EL: O principal local é o Bourbon Street, que fica no bairro de Moema. O preço é um pouco caro, mas normalmente há bons shows. Os grandes jazzistas norte-americanos quando vêm ao Brasil sempre tocam no Bourbon.

Outro bom local para ouvir música instrumental brasileira é o Tom Jazz, que fica no bairro de Higienópolis, e o All Of Jazz, que fica no bairro do Itaim. Todas as três casas têm site na internet e estão indicadas no meu site ao lado de outros endereços.


JNPDI: Que informação chega ao Brasil sobre os músicos de Jazz portugueses?


EL: Infelizmente nenhuma informação sobre o jazz ou até mesmo da música portuguesa. Nos últimos meses quem se apresentou em São Paulo foi a cantora Mariza. Foi um grande sucesso, mas a música portuguesa em geral não interessa aos brasileiros e muito menos aos grandes canais de TV ou jornais.

JNPDI: Que músicos da cena actual do Jazz mundial são mais populares no Brasil?

EL: O jazz é um ritmo pouco escutado e divulgado no Brasil. A maior parte do público acaba consumindo aquilo em que as grandes gravadoras investem dinheiro para divulgação ou aquilo que toca nas bandas sonoras das novelas. Conseguir emplacar uma música na principal novela da Rede Globo, a mais influente rede de TV do Brasil, é certeza de sucesso. Os jazzistas que mais vendem no Brasil são Norah Jones – que não é exactamente jazz – Diana Krall, Jamie Cullum, Jane Monheit, Madeleine Peyroux, John Pizzarelli, e alguns discos clássicos com Time Out, do Dave Brubeck e Kind Of Blue, do Miles Davis.

JNPDI: Quem são os opinion makers brasileiros na área do Jazz?

EL: Até onde sei, há apenas um opinion maker – aqui no Brasil chamamos de "Colunista" – com espaço cativo em um grande jornal. Seu nome é Luiz Orlando Carneiro, que escreve semanalmente uma coluna de jazz no Jornal do Brasil, que é mais vendido no Rio de Janeiro.

Há outros jornalistas que precisam ser citados como Carlos Calado, que escreve sobre jazz e música instrumental brasileira para a Folha de S. Paulo, o mais importante jornal do Brasil, editado em São Paulo, e Antônio Carlos Miguel, que escreve mais sobre música popular brasileira para o jornal O Globo, principal jornal do Rio de Janeiro.. 

14 comentários:

Érico Cordeiro disse...

Grande Pedida, Mr. Lester.
O Emerson é uma figura muito bacana no universo dos que escrevem sobre jazz. Seu livro deve ser muito gostoso de ler e, ainda por cima, traz uma entrevista com o meu amigo Erasmo Carlos, isto é, Augusto Pellegrini, decano das lides jazzísticas por estas plagas.
O meu exemplar já está a caminho!
Abraços!

pituco disse...

master lester,

curioso que o livro do sr.émerson, embora tenha como finalidade desmitificar o ouvinte do jazz (como elite), o teor da entrevista comprova uma outra realidade...

...pelo menos, foi o que abstrai...e por aqui, não é muito diferente não...tanto que as produções de álbuns de jazz ainda sobrevivem, exatamente, por seu consumidor fiel e exigente (que mesmo baixando na net o cd, prefere tê-lo no formato convencional...é isso aí.

amplexossonoros

John Lester disse...

Prezado Mestre Pituco, não tendo lido ainda o livro, prefiro ausentar-me de comentários. Mas concordo com você que há, nos ouvintes de jazz que conheço, uma forte noção, ainda que intuitiva, de bom gosto musical. E o que é bom gosto musical? Uma certa exigência de beleza, criatividade, elaboração, inteligência, humor, complexidade e, no caso do jazz, poder improvisatório. Creio que, assim, a tese inicial de Emerson poderia naufragar com certa facilidade. Afinal, é um fato que quem gosta de Ivete Sangalo não pode gostar de jazz, seja rico ou seja pobre, seja culto ou seja ignorante, seja destro ou canhoto, seja cego ou mudo.

Talvez o surdo.

Grande abraço, JL.

emerson disse...

Caro John, não quero entrar em polêmica, já que respeito, e muito, a opinião dos outros, mas afirmar que " Afinal, é um fato que quem gosta de Ivete Sangalo não pode gostar de jazz" é muito radical. Eu gosto de um monte de coisas que dizem ser de qualidade duvidosa, mas também gosto de jazz. Uma coisa não tem relação com a outra. O livro caminha por essa estrada. Não importa o que você está acostumado a ouvir, dê uma chance ao jazz. Em resumo, se a música lhe agradar, não interessa se ela for jazz, pop, rock, mambo, salsa, erudito, sertanejo, romântica, soul, blues.... Relaxe e aproveite. Simples assim.

pituco disse...

master lester,

concordo ipsis literis com tua afirmação...'quem gosta de ivete sangalo não pode gostar de jazz'...definitivamente, um ouvinte de axé e correlatos, não irá curtir uma madrugada solitária com mr.bill evans piano solo em seu ipod...rs

embora o contrário seja possível...ou seja, um ouvinte assíduo de jazz pode esbaladar-se no carnaval, ao som de ivete sangalo' (com discernimento das devidas proporções)...é isso aí.

sr.émerson,
imaginei que tua obra tivesse o intuito de colocar argumentos que 'desfizessem' a imagem do ouvinte de jazz como elite...mas, pra se concluir que ouço o que me agrada, não é necessário que eu leia teu livro...não é verdade?

abraçsonoros

John Lester disse...

Prezado Emerson, mais uma vez, parabéns pelo livro, sem dúvida resultado de esforço ímpar no contexto cultural em que vivemos. Quanto aos pontos de vista musicais, excelente que não haja unanimidade. Lembra de Nelson Rodrigues?

E é isso Mestre Pituco. Creio que aquela visão saudosista e romântica do jazz como música folclórica e mal articulada produzida por músicos amadores há muito já foi devidamente abandonada pela melhor crítica. O jazz é, sem dúvida, uma das elaborações artísticas mais bonitas e complexas do século XX, e a coisa não parece querer se alterar nesse início do século XXI. E, para mim, é óbvio que podemos apreciar qualquer tipo de música, mas daí a equipararmos todas elas em complexidade...

Meu único receio é que, de tão complexo, o jazz atual transforme-se numa espécie de música clássica de vanguarda, acessível apenas a um reduzido número de iniciados com alta formação musical teórica.

E a nossa bossa nova? Quando virá um novo Tom Jobim para dar seguimento aos trabalhos?

Grande abraço, JL.

emerson disse...

Caro Pituco, você está correto, as pessoas devem ouvir o que gostam e não o que a mídia "manda" ouvir. Diante disso, o livro é uma importante ferramenta de pesquisa para iniciados ou não no jazz. Sobre o triste estigma dado aos ouvintes de jazz, sim, o livro ajuda o leitor a repensar esse preconceito e perceber que qualquer um pode ter prazer em escutar jazz. O livro mostra alguns atalhos para começar.

John Lester disse...

Após cuidadosa leitura, faremos nossas observações.

Grande abraço, JL.

Vagner Pitta disse...

Vixe, meus caros, e agora? Compactuo com pontos de vistas dos dois lados do "muro" - digamos assim.

Não conheço o Emerson, apesar de achá-lo simpático e já ter trocado e-mails com ele; e se conhecesse também seria igualmente sincero, não faria "concessões" por ser amigo hehehe. Mas óbvio que o trabalho dele merece respeito: como bem disse Lester, trata-se de algo ímpar na literatura musical recente, se considerado as dificuldades de se divulgar essa música complexa que é o Jazz. Aliás, é justamente por ser complexa que a tentativa de Emerson -- de "desmantelar" estigmas do tipo "Jazz é uma música para músicos" ou "Jazz é uma música de velhos" -- merece ser visto como um trabalho de certa forma ousado e muito bem vindo.

A nossa era aliás é a era do pop. Apesar de o jazz contemporâneo carregar a sua natural síndrome da complexidade e ser totalmente eclético -- ou seja, não ter mais aquelas polaridades mainstream x vanguarda ou wynton marsalis x john zorn (sim, acredito que isso minguou) -- a maioria dos músicos de jazz da geração 2000 estão usando temas do pop e rock contemporâneo pra constituir o repertório que compõe seus discos. Os senhores já se deram conta de quantos músicos atuais -- excelentes mesmo -- estão tocando temas dos Radiohead, Bjork, Nick Drake, M.I.A e outras legendas do universo pop? Acho que apesar do universo jazzístico ter mostrado uma grande ecleticidade no início do século, uma das características mais marcantes é justamente esse fato das releituras à temas do pop e rock -- e aí, é claro, o desenvolvimento das canções, os improvisos e a rearmonização deixam as músicas muito mais complexas, já que os grooves contemporâneos é uma extensão de algo que já era complexo anteriormente.

Nesse sentido, portanto, Emerson ganha respaldo do cenário, pois os própriós músicos estão tentando desmitificar essa coisa de "jazz é só para o cara purista que entende de música instrumental". Não: vários músicos de jazz nasceram e cresceram ouvindo hip hop, pop e rock e, por isso, tentam mostrar que o jazz não está tão distante assim como se pregava. Aliás o jazz atual se deixa influenciar pelo pop justamente porque o jazz dos anos 60 se deixou influenciar pela soul music: bem simples entender isso, embora muitas pessoas não gostam de admitir.


...

Vagner Pitta disse...

continuando...


Por outro lado, vejo no trabalho de Emerson um certo desequilíbrio em atrelar o smooth jazz e o pop ao jazz como se fossem tão primorosos quanto: artisticamente falando. Na minha opinião o ouvinte tem mesmo é que ser afrontado pelas intrincâncias do jazz tal como ele é: ele tem que saber o terreno sinuoso em que ele está pisando; ele não deve ser poupado ou "amaciado" com audições palatáveis; ele tem mesmo é que se defrontar com o improviso. Talvez, pela minha concepção de música ou de arte, eu esteja fazendo uma observação um tanto radical e pessoal... ou esteja dizendo apenas uma impressão minha. Mas tenho mesmo essa impressão de que há um desequilíbrio na divulgação do jazz por Emerson quando ele coloca no mesmo caldeirão Kenny G e Branford Marsalis ou Chris Botti e Terence Blanchard. E a autenticidade: ela não existe mais?

Isso pode ser um espectro rico pro leigo que está procurando conhecer as várias formas de música que estão nas prateleiras rotuladas de "jazz" nas Fnac's, por exemplo. Mas, em compensação, isso deixa o ouvinte que já tem um certo senso de autenticidade um tanto desconfiado.

Ademais, também vou adquirir o livro tbm, pois pretendo aprender com ele. E é isso aí: desejo sucesso nas vendas, Emerson! Apesar de eu não ser tão liberal, te parabenizo não só pelo livro, mas por ter uma mente aberta e sem preconceitos. Inclusive o espaço do Farofa Moderna está aberto pra suas divulgações -- se te interessar trataremos disso em particular. Tu sabe meu e-mail e por onde dou minhas pinceladas.


Abraços a todos e viva a diversidade: aquela sempre munida de qualidade!!!

Parabéns Lester e amigos do Lester por manter esse espaço vivo, dado que vários blogs estão fechando as portas!

John Lester disse...

Prezado Mr. Pita, obrigado pela vista e pelo vetusto comentário, verdadeira nota de rodapé gigante.

Eu, de minha parte, ainda prefiro ler o livro para, então, emitir qualquer observação, embora, repiso, seja digna de aplauso a iniciativa de Emerson.

Grande abraço, JL.

emerson disse...

Caro Pitta, é sempre bom ouvir a opinião dos "colegas" de luta pelo jazz. Entendo o seu ponto de vista e respeito. Quem acompanha o seu trabalho sabe da seriedade e "preocupação" que você tem de mostrar o lado menos comercial do jazz. Sempre aprendo com seus posts pertinentes. Mas eu caminho por uma outra estrada. Por uma década trabalhei em lojas de discos em São Paulo e percebi que o jazz é visto como algo difícil, de elite e quase inatingível. É essa ideia que espero ajudar a mudar. Sei que Kenny G, David Sanborn e uma porrada de músicos de smooth jazz não são jazz, mas também não são pop. Afinal, o que é pop? Para mim, pop é tudo aquilo que se torna popular. As quatro estações de Vivaldi é pop, Take 5, de Dave Brubeck é pop, Billie Jean de Michael Jackson é pop. Em resumo, o livro mostra o caminho para descobrir o jazz. O restante do trabalho é do leitor. Não sou eu que vou dizer o que é melhor ou pior, o que é jazz ou não é, ou o que ele deve ouvir. Eu apenas dou algumas dicas. Abs e sucesso!!!

Observadordepirata disse...

O Jazz transcende, é uma revelação. Feliz daquele que pode comtemplar tanta riqueza, sensibilidade e beleza musical. Demorei muitos anos para chegar a esse estágio, e hoje o jazz na minha vida é um companheiro inseparável, do qual não abro mão.

Observadordepirata disse...

errata - contemplar