27/02/2011

Jazz criollo - Enrique Mono Villegas

A grande dúvida: o espetacular corte Cuvelier Los Andes 2006 deveria ter sido desarorolhado ou não? Seus 70% de malbec, com 10% de cabernet sauvignon, 10% de merlot e 10% de syrah estariam ou não prontos para beber? Paula Nadler objetou que, embora seus taninos já estivessem devidamente aparados e contidos, o corpulento corte argentino certamente envelheceria bem por mais um ou dois anos. Eu, após sorver até a última gota do escuro  e sedoso néctar, percebi que não havia qualquer sedimento na garrafa de rótulo simples e discreto. Fiz notar apenas que pagamos R$70,00 num vinho que é vendido por R$198,00 no Brasil, trazido pela Expand. Se erramos, saberemos apenas ano que vem, quando será aberta a garrafa de mesma safra que Paula contrabandeou para o Brasil em seu estojo de maquiagem. Perambulando pela cidade, passamos a conversar sobre outra grande paixão argentina: livros. Desconhecemos bibliografia disponível mais completa sobre o jazz argentino que El jazz criollo y otras yerbas, escrito por Walter Thiers e publicado pela Corregidor. Embora haja um bom número de livrarias em Buenos Aires, não é um livro fácil de ser encontrado. Da mesma editora, mas impossível de ser localizado, exceto, talvez, em sebos, é Memorias del jazz argentino: décadas del '40 e del '50, escrito por Ricardo Risetti. E, na era do mp3, formidável a quantidade e qualidade de lojas de cd's na capital porteña. Uma das melhores que conheci foi a Miles, localizada na Rua Honduras, em Palermo, um bairro agradável, muito arborizado, repleto de lojas, cafés, sorveterias e livrarias interessantes, como a Prometeo. E foi na Miles que encontrei uma fartura surpreendente de álbuns de jazz argentino. De pouco em pouco, fui distraidamente selecionando aqueles que considerei mais próximos a meu estilo predileto, o Hard Bop. Quando dei por mim, carregava 40 cd's nas mãos sedentas, ocasião em que fui abordado por gentil vendedora, oferecendo-me ajuda e perguntando se gostaria de uma cesta. Percebendo a situação absurda em que me encontrava, dirigi-me rapidamente ao caixa, aguardando a profunda punhalada em minha carteira. Mas que boa surpresa verificar que, em média, cada cd custava em torno de 25 pesos, algo equivalente aos nossos R$10,00, coisa inacreditável para quem está acostumado aos preços aviltantes do cd no Brasil. Feliz da vida, corri para o hotel, onde certamente poderia ouvir alguns álbuns antes de terminada a viagem.

Comecei pelo álbum Enrique Mono Villegas Vol. 2, lançado pelo selo Melopea, um dos melhores selos de jazz da argentina, reunindo em seu extenso catálago muitos dos principais músicos do estilo. Villegas nasceu em Buenos Aires, no dia 3 de agosto de 1913.  Órfão cedo, foi criado pelas tias, que sempre lhe deram muita liberdade para fazer o que quisesse. Aos sete anos, já tocava Mozart corretamente. Aos nove, conhece o jazz através do professor Alberto Williams, que lhe permitia tocar todos os estilos, desde o tango até o stride. Em 1932, estréia o Concerto para piano e orquestra, de Ravel, no Teatro Odeón, em Buenos Aires.  Por essa época, dedica-se mais seriamente ao jazz, tendo por norte músicos como Art Tatum, Fats Waller, Duke Ellington e Louis Armstrong, influências que mais tarde seriam complementadas por músicos do Bebop. Também em 1932, estréia Rhapsody in Blue, de Gershwin. Na década de 1940, Villegas compõe (Jazzeta, primer movimiento) e lidera uma série de formações, como o Santa Anita Sextet (com o trompetista Juan Salazar, o clarinetista Panchito Cao e o saxofonista tenor Chino Ibarra) e o combo Los Punteros (com o saxofonista Bebe Eguía).

Em 1955, segue para New York, onde gravaria com Milt Hinton e Cozy Cole, para a Columbia. Apaixonado pelo cinema, permanece nesta cidade, assistindo a todos os filmes que pode, além de tocar em diversos bares de jazz, onde trava contato com músicos como Cole Porter, Count Basie, Nat King Cole e Coleman Hawkins. Em 1957, em Cleveland, teve o privilégio de ouvir Duke Ellington, uma de suas primeiras influências. Na década de 1970, já de volta à Argentina, apresenta-se para um público de 20.000 pessoas, interpretando novamente a Rhapsody in Blue, no clube Vélez Sarsfield. Em 1975, apresenta-se no Teatro Cólon, tocando jazz. Sua estranha figura encurvada, com olhos penetrantes e mãos ariscas, foram os responsáveis por uma série de apelidos, tais como quasímodo, duende e mono (macaco). Apaixonado também pelas mulheres e pela noite, Villegas foi um dos artistas mais importantes de sua geração, daí suas amizades com gente como o escritor Jorge Luis Borges, o pintor Xul Solar e Astor Piazzola, que lhe dedicou o tema Villeguita. Embora ricamente influenciado pela música folclórica, seu estilo demonstra um domínio perfeito da inteligência delicada de um Bill Evans e da genialidade rude de um Thelonious Monk. Para os amigos, deixo a faixa Blue Orchids , retirada do álbum acima citado.


8 comentários:

Salsa disse...

é, meu caro, fizeste uma boa viagem. Valeu a boa crônica.
Abraços,

John Lester disse...

Verdade meu amigo.

Grande abraço, JL.

pedrocardoso@grupolet.com disse...

Pura maravilha, como são as experiências com nossos amigos argentinos, sempre derramando cultura.

Internauta Véia disse...

Mais Villegas, Lester...!

E mais crônicas sobre a viagem!!

Érico Cordeiro disse...

Mr. Seu Lester,
Não sei se você leu o meu pedido feito em resposta a seu comentário, na postagem sobre o Junior Mance, lá no jazzbarzinho.
Ali, pedia que você adquirisse para mim (se fosse possível) o excepcional álbum Encuentro, do Villegas com participação de Paul Gonsalves e Willie Cook. Até onde sei, esse disco foi gravado na Argentina, em final dos anos 60, durante uma excursão da orquestra de Ellington às terras portenhas.
Agora, deparo-me com a notícia de que você encontrou alguns discos do pianista em sua excursão enológico-gastronômico-musical.
Invejo-o, meu caro.
Mas não faltarão oportunidades de trocarmos impressões pessoalmente, sobre esse grande músico. Se os deuses do jazz permitirem, dia 25 de março aporto por aí!
Peço vênia para usar seu texto (primoroso, como de hábito), em uma futura postagem, ok?
Abração!

Anônimo disse...

Muy Lindo, ML,
Gracias

Carioca da Vila disse...

Gostei muito , Mr. Lester...

Quanto ao vinho...fico na vontade!

John Lester disse...

Prezados, lembrem que Buenos Aires é logo ali. E, Mr. Cordeiro, nosso blog é de vocês.

Grande abraço, JL.