Meu amigo Frederico Bravante sempre disse que o problema de se resistir a uma tentação é que podemos não ter uma segunda chance. E complementava: Lester, não se preocupe em evitar as tentações - à medida que você envelhecer, elas o evitarão. Sendo assim, não resisti à tentação de comprar o álbum Just Friends numa das inúmeras e coloridas barracas que entre o fim de maio e início de junho tomam conta da Rue de Bretagne e suas transversais, em Paris. Tradicionais, as braderies de ruas lembram um pouco nossas feiras brasileiras, só que as barracas são montadas pelos habitantes, que oferecem diversos produtos, entre eles móveis, roupas, antiguidades, livros e velhos long-plays, tudo a bons preços. Enquanto eu comprava o tal álbum, Frederico apaixonava-se por um requixá amarelo de dois lugares, datado, segundo o esperto vendedor francês, de 1923. Após algumas horas de feira e de indecisão quanto à aquisição do requixá, decidimos nos instalar numa das diminutas mesas de um diminuto café, só para ficarmos vendo as pessoas passando por nós.
Enquanto Frederico sonhava acordado com o belíssimo veículo amarelo, eu lia as notas do long-play, onde pude constatar o ano da gravação, 1975, o selo francês, Black and Blue, e os excepcionais acompanhantes do trompetista Harry 'Sweets' Edison: Eddie "Lockjaw" Davis (ts), Gerry Wiggins (p), Major Holley (b) e Oliver Jackson (d). Quando sabemos que o jazz quase morreu na década de 1970, período em que Miles Davis comprou um trompete vermelho e a maioria dos músicos de jazz passou a tocar rock, a importância do álbum Just Friends cresce ainda mais. Nessa década maldita para o jazz, os músicos jovens não conseguiam trabalhar, nem gravar, nem tinham oportunidade de levar adiante o Hard Bop, desenvolvendo-o com as inovações propostas na década anterior por músicos visionários como, por exemplo, John Coltrane. As bandas de jazz eram cada vez mais raras. Os locais para se ouvir jazz escasseavam, exceto em algumas poucas cidades da Europa. A música passava por um processo profundo de imbecilização, seguindo a trilha aberta pelos Beatles, tal como ocorre hoje no Brasil com Ivete Sangalo e Cia. Caberia então aos velhos mestres das décadas de 1940 e 1950 a difícil tarefa de manter o jazz vivo. Reunindo-se em pequenos combos e sustentados pelo respeito assegurado nas décadas anteriores, serão apenas músicos como Count Basie, Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Stan Getz e poucos outros que conseguirão manter suas bandas em atividade, gravando alguns álbuns de jazz acústico nas décadas de 1970 e 1980, sem apelo ao jazz-rock. E um desses mestres foi Harry 'Sweets' Edison.
Harry nasceu em Ohio, no dia 10 de outubro de 1915. Como muitos trompetistas de sua geração, sofre forte influência de Louis Armstrong. Após adquirir experiência em diversas bandas locais, entre elas a Jeter-Pillars Orchestra, pela qual passaram músicos como Jimmy Blanton, Kenny Clarke e Jimmy Forrest, Harry trabalha durante um breve período com Lucky Millinder. Em 1938, passa a integrar a orquestra de Count Basie, com quem permaneceria até a dissolução da banda, em 1950. A partir daí, inicia um longo período atuando como líder de pequenos conjuntos e como músico de estúdio, fase em que grava abundantemente como solista e também como solicitado sideman, ao lado de músicos como Shorty Rogers, Billie Holiday, Lester Young, Oscar Peterson, Art Tatum, Bill Perkins, Buddy Rich, Ben Webster, Ella Fitzgerald, Bud Shank, Herb Ellis, Jimmy Giuffre, Nat King Cole, Ray Brown, Buddy DeFranco, Sarah Vaughan, Peggy Lee, Anita O'Day, Manny Albam, Stan Getz, Chris Connor, Zoot Sims, Johnny Hodges, Milt Jackson, Paul Quinichette, Red Garland, Budd Johnson, Joe Williams, Nancy Wilson, Quincy Jones, Gerry Mulligan, Al Grey, Gil Fuller, Sonny Criss, Harry James, Louie Bellson, Roy Eldridge, Buddy Tate, Ray Charles, Sonnt Stitt, Eddie 'Lockjaw' Davis, Barney Kessel, Ray Bryant, Jimmy Rowles, Frank Wess, Clark Terry, Gene Harris, Lionel Hampton, apenas para citarmos alguns. Memoráveis também foram suas participações no JATP, Jazz At The Philharmonic.
Apesar disso, Harry torna-se conhecido para o grande público por alguns breves solos que produziu na orquestra de Nelson Riddle, quando esta acompanhava Frank Sinatra. Embora constituíssem belos solos, eram nada mais que obbligatos, sem qualquer traço de improviso, sua marca registrada. Além da formidável capacidade inventiva, Harry tornou-se respeitado no meio jazzístico por sua inigualável performance em surdina (Harmon mute), quase sempre produzida por frases lacônicas e inesperadas, construídas sobre notas esparsas, influência que certamente deve muito a seu primeiro grande professor, Count Basie, o mais econômico pianista do jazz. É devido à sua aguda inteligência musical que Harry torna-se não apenas um mestre absoluto do estilo Swing, como também um admirador dos complexos ideais do Bebop, sobretudo os propostos por Dizzy Gillespie. Daí ter produzido alguns dos melhores álbuns de jazz da fatídica década de 1970. Harry morreu aos 83 anos, no dia 27 de julho de 1999. Para os amigos, ficam as faixas Just Friends, There Is No Greater Love e My Old Flame, retiradas do tentador álbum Just Friends, onde podemos perceber toda sua delicadeza na interpretação de baladas, característica que lhe rendeu o apelido de 'Sweets', dado por Lester Young.
sweets by Jazzseen
Até hoje, todos os anos, Frederico Bravante retorna às feiras parisienses na esperança de reencontrar o requixá amarelo que deixou de comprar. Resistir à tentação dá nisso.
Enquanto Frederico sonhava acordado com o belíssimo veículo amarelo, eu lia as notas do long-play, onde pude constatar o ano da gravação, 1975, o selo francês, Black and Blue, e os excepcionais acompanhantes do trompetista Harry 'Sweets' Edison: Eddie "Lockjaw" Davis (ts), Gerry Wiggins (p), Major Holley (b) e Oliver Jackson (d). Quando sabemos que o jazz quase morreu na década de 1970, período em que Miles Davis comprou um trompete vermelho e a maioria dos músicos de jazz passou a tocar rock, a importância do álbum Just Friends cresce ainda mais. Nessa década maldita para o jazz, os músicos jovens não conseguiam trabalhar, nem gravar, nem tinham oportunidade de levar adiante o Hard Bop, desenvolvendo-o com as inovações propostas na década anterior por músicos visionários como, por exemplo, John Coltrane. As bandas de jazz eram cada vez mais raras. Os locais para se ouvir jazz escasseavam, exceto em algumas poucas cidades da Europa. A música passava por um processo profundo de imbecilização, seguindo a trilha aberta pelos Beatles, tal como ocorre hoje no Brasil com Ivete Sangalo e Cia. Caberia então aos velhos mestres das décadas de 1940 e 1950 a difícil tarefa de manter o jazz vivo. Reunindo-se em pequenos combos e sustentados pelo respeito assegurado nas décadas anteriores, serão apenas músicos como Count Basie, Oscar Peterson, Ella Fitzgerald, Stan Getz e poucos outros que conseguirão manter suas bandas em atividade, gravando alguns álbuns de jazz acústico nas décadas de 1970 e 1980, sem apelo ao jazz-rock. E um desses mestres foi Harry 'Sweets' Edison.
Harry nasceu em Ohio, no dia 10 de outubro de 1915. Como muitos trompetistas de sua geração, sofre forte influência de Louis Armstrong. Após adquirir experiência em diversas bandas locais, entre elas a Jeter-Pillars Orchestra, pela qual passaram músicos como Jimmy Blanton, Kenny Clarke e Jimmy Forrest, Harry trabalha durante um breve período com Lucky Millinder. Em 1938, passa a integrar a orquestra de Count Basie, com quem permaneceria até a dissolução da banda, em 1950. A partir daí, inicia um longo período atuando como líder de pequenos conjuntos e como músico de estúdio, fase em que grava abundantemente como solista e também como solicitado sideman, ao lado de músicos como Shorty Rogers, Billie Holiday, Lester Young, Oscar Peterson, Art Tatum, Bill Perkins, Buddy Rich, Ben Webster, Ella Fitzgerald, Bud Shank, Herb Ellis, Jimmy Giuffre, Nat King Cole, Ray Brown, Buddy DeFranco, Sarah Vaughan, Peggy Lee, Anita O'Day, Manny Albam, Stan Getz, Chris Connor, Zoot Sims, Johnny Hodges, Milt Jackson, Paul Quinichette, Red Garland, Budd Johnson, Joe Williams, Nancy Wilson, Quincy Jones, Gerry Mulligan, Al Grey, Gil Fuller, Sonny Criss, Harry James, Louie Bellson, Roy Eldridge, Buddy Tate, Ray Charles, Sonnt Stitt, Eddie 'Lockjaw' Davis, Barney Kessel, Ray Bryant, Jimmy Rowles, Frank Wess, Clark Terry, Gene Harris, Lionel Hampton, apenas para citarmos alguns. Memoráveis também foram suas participações no JATP, Jazz At The Philharmonic.
Apesar disso, Harry torna-se conhecido para o grande público por alguns breves solos que produziu na orquestra de Nelson Riddle, quando esta acompanhava Frank Sinatra. Embora constituíssem belos solos, eram nada mais que obbligatos, sem qualquer traço de improviso, sua marca registrada. Além da formidável capacidade inventiva, Harry tornou-se respeitado no meio jazzístico por sua inigualável performance em surdina (Harmon mute), quase sempre produzida por frases lacônicas e inesperadas, construídas sobre notas esparsas, influência que certamente deve muito a seu primeiro grande professor, Count Basie, o mais econômico pianista do jazz. É devido à sua aguda inteligência musical que Harry torna-se não apenas um mestre absoluto do estilo Swing, como também um admirador dos complexos ideais do Bebop, sobretudo os propostos por Dizzy Gillespie. Daí ter produzido alguns dos melhores álbuns de jazz da fatídica década de 1970. Harry morreu aos 83 anos, no dia 27 de julho de 1999. Para os amigos, ficam as faixas Just Friends, There Is No Greater Love e My Old Flame, retiradas do tentador álbum Just Friends, onde podemos perceber toda sua delicadeza na interpretação de baladas, característica que lhe rendeu o apelido de 'Sweets', dado por Lester Young.
sweets by Jazzseen
Até hoje, todos os anos, Frederico Bravante retorna às feiras parisienses na esperança de reencontrar o requixá amarelo que deixou de comprar. Resistir à tentação dá nisso.
20 comentários:
surdina sinistra
Espetacular Lester! Valeu mesmo.
Não conhecia a surdina, é uma delícia. Beijos.
Uma boa viagem descobrir teu blog!!!
Claro, que não perderei aulas como a de Harry Sweets. Um bom abraço.
jbaião
Prezado Jbaião, seja bem-vindo ao nosso blog.
Grande abraço aos amigos e amigas, JL.
Tem bom gosto!
Esse sim, é um dos Mestres do JAZZ.Eterno!
O Jazz sempre continuará a ser gerador de grandes talentos!...
Prezados amigos, obrigado pelos amáveis comentários. E Mr. Coimbra, até quando permanecerá no Rio?
Grande abraço, JL.
Mr. Lester,
Rio a partir de 26/09, e, provavelmente até 05/10.
Um abraço
ADOREIIIIIIIIIIIIIIIIII!
Aqui seguindo e saboreando cada post!
Shalom!!
http://nairmorbeck.blogspot.com/
Beijo Nair ;)
obrigada por mais esta otima resenha
boa noite, boa sorte
Esse era gênio! Valeu Lester.
Mr. Lester,
Eu gosto muito do Harry.
Um certo destruidor intergalático de planetas acha "meloso", mas eu acho que isso é pura ranzinzice...
Não conheço esse álbum, mas quando for a Paris, procurarei-o-o - e o requixá também...
Abração!
Vire e mexe e o tal do "destruidor intergalático de planetas" é mencionado. Larga deu sô!!! Harry Edison é um ótimo trumpetista (melhor que Miles), mas as vêzes abusa da surdina, tornando seus albums "chatos, melosos e/ou irritantes". Este "Just Friends" é muito bom, como também é "Swing Summit", "Harry Edison & Eddie Davis"....., mas constantemente tenho que "botar as orelhas de molho" de tanto ouvir "surdina" nos discos do Edison. Haja saco!
Prezado JOHN LESTER:
Uma senhora resenha, iniciada com as verdades que os "roqueiros" de plantão teimam em esconder.
A estultice que campeia nos atuais meios "musicais" (esse é o apelido que dão à porcaria que emitem) parece mundial.
Bela gravação, um senhor músico ! ! !
Parabéns e grato pela música.
Mestre Apóstolo, já sentíamos sua falta e certa gota de ciúmes de Mestre Érico Cordeiro, afinal o senhor não sai de lá. Mas, como censurá-lo diante daqueles textos?
Realmente, Sweets era desses que não podem faltar em nenhuma discoteca de jazz. Nenhuma!
Grande abraço, JL.
Gênio!
Olá amigo,
Gostaria de saber onde está o link para baixar o disco .
parabens pelo trabalho,
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