10/09/2007

Vovô Acácio em Paris

Meu primeiro contato com o jazz foi através dos velhos lp’s 78rpm de vovô Acácio. Além das belas capas de seus álbuns bem conservados, que sempre estavam tocando, eu adorava suas estórias, precisas e muito divertidas. Uma das que me lembro com maiores detalhes foi a de sua primeira viagem à Paris, em fevereiro de 1953. Eu a ouvi sentada atentamente em sua generosa cadeira de couro envelhecido e cheiroso, e foi assim. Vovô, ao desembarcar, nem quis ouvir falar de Louvre ou de exposição de Picasso. Sem deixar sua pequena mala no hotel, partiu direto do aeroporto para o Vieux-Colombier, onde se apresentava Sidney Bechet, segundo vovô o primeiro grande mestre do clarinete e do sax soprano do jazz. Ele havia nascido em 1897, em New Orleans, informava vovô com orgulho nos lábios. Naquela noite Bechet se apresentava acompanhado pela orquestra de Claude Luter, um dos muitos músicos franceses apaixonados pelo jazz. A casa era pequena, mas os preços eram proporcionais. Vovô ficou impressionado pela aparência jovem de Sidney, embora já contando com seus 56 anos de estrada esburacada. Impressionou-se também pela paixão dos músicos da orquestra de Luter, que tocavam com muita vibração e alegria, ao contrário dos músicos brasileiros, que tocavam e liam gibi ao mesmo tempo. Vovô Acácio dizia que nunca se esqueceria daquele ataque fabuloso, repleto de vibratos estremecedores, sustentado por um volume de som impensável. Ao todo foram seis números: Muskat Ramble, Wild Man Blues, I Found a New Baby, Jazz in Blues, Sister Kate e Milenberg Joys. Vovô sentiu-se no céu!

Mais tarde, em outra noite abençoada, dessa vez no Metro-Jazz, encontraria Big Bill Broonzy, segundo vovô o maior cantor de blues vivo naquele tempo. Acompanhado apenas por sua guitarra, o cantor ficou surpreso quando vovô lhe pediu que cantasse Blues in 1890. Atendeu ao pedido, mas depois correu lentamente até a mesa para conferir que tipo estranho era aquele e de onde vinha. Vovô disse que era do Brasil, e um largo sorriso se abriu no rosto de Big Bill, que logo se sentou à mesa e aceitou uma dose gentil de uísque. Enquanto isso, subia ao palco uma mulata gorda, que vovô reconheceu tratar-se de Lil Armstrong. Ao piano seu estilo havia mudado completamente desde os tempos dos Hot Five e Hot Seven de Louis, seu famoso ex-marido. Agora Lil tocava uma espécie de boogie woogie e cantava. Vovô, que sempre a chamara de Lil ‘Manitas de Piedra’ Armstrong, pede Perdido Street Blues, que ela havia composto por volta de 1922, quando King Oliver ensaiava suas primeiras gravações. Outra surpresa, outro uísque e logo vovô estava sentado com Big Bill de um lado e Lil do outro. Cumprimentando-a por Mrs. Armstrong, ela resmungou certo desconforto, alegando que Armstrong era apenas um de seus ex-maridos. Vovô corrige para Miss Hardin, mas nota que, lá fora, o letreiro na fachada escrevia Lil ARMSTRONG. Mudando de assunto e percebendo que a madrugada parisiense já perseguia seu destino gelado na neve, surge na porta Sidney com seu pequeno estojo de soprano. Após vários convites, sobe ao palco e começa uma jam com Lil e Big Bill. Por uma dessas obras maravilhosas da tecnologia, vovô registra em seu velho Mohawk Recorder o tema Really the Blues. A noite não poderia ter sido melhor, poderia? Um beijo pra todos e até a próxima!

Sidney - Really Th...

14 comentários:

Paula Nadler disse...

John, obrigada pelo convite. Sempre que quiser eu envio alguns posts para você. Beijos!

Anônimo disse...

Seja bem-vinda Paula.

John Lester disse...

Prezada Paula, obrigado pela resenha. E que saudades de Mestre Acácio...

Muito frio por aí?

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

som cavernoso hein paula!

Anônimo disse...

Bonito o seu blog.

Oslo disse...

Gracinha, o seu cachorrinho. E o blues é sempre bem-vindo.

Anônimo disse...

Fantástica as aventuras do "vovô Acácio" em Paris. Parece até historinha do boi-tatá, mas valeu Paula, especialmente pela "apresentação" à galera de Sidney Bechet, músico pouco conhecido e um dos ícones do genero dixieland, e que tocava com maestria dois instrumentos difíceis de "manobrar": clarinete e sax soprano.

Anônimo disse...

Jazzseen: insuportavelmente delicioso...

;)

figbatera disse...

Mais uma "escrevente" nova aqui no jazzseen; seja bem-vinda e... parabéns!

Anônimo disse...

Sidney Bechet pouco conhecido, cara pálida?Se existem teses acadêmicas o colocando junto com Louis Armstrong , Jelly Roll Morton como os criadores do jazz.Edú

Anônimo disse...

Eu quiz dizer, sr. Edú: Sidney Bechet , pouco conhecido pela maioria dos neófitos (em matéria de dixie), frequentadores do "Jazzseen".

Anônimo disse...

Dixie?Um dos modernizadores do jazz ao lado de Armstrong.Esse blog só tem feras, a notar pela qualidade dos participantes e textos, de minha parte sou uma culura absolutamente indigente ,que por atrevimento e descaramento tento adquirir conhecimento e opinar.Postergando minhas idéias pra não aprofundar minhas mancadas.Edú

John Lester disse...

Prezado Edú, de fato o que menos importa em Bechet é sua fase dixie dos 1940 e 1950.

Concordo com você quando o coloca como um dos maiores criadores e inovadores do jazz, isso lá pelas décadas de 1910 e 1920. Se o pobre coitado teve que fazer dixie para sobreviver, isso é a outra parte da história. É a parte triste, é claro.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Lindo, Linda, tudo lindo!!