O Jazzseen reconhece certas falhas imperdoáveis cometidas ao longo de seus quase dois anos de existência. E esse reconhecimento tem agora endereço certo: Jazzseen mea culpa, espaço onde Mr. Lester e Mr. Salsa tentarão expurgar seus terríveis pecados. Inafiançável e imprescritível foi nossa omissão quanto a Stan Getz, um dos maiores saxofonistas tenores do jazz. Ok, em nossa defesa podemos dizer que ele gravou com a insípida Astrud Gilberto, mas essa grave falha não poderia nos livrar da pena perpétua. Getz nasceu em 1927, época em que os jovens músicos iniciavam suas carreiras em big bands. Não foi diferente com Getz que, aos 17 anos, já tocava com seu xará Stan Kenton. Depois, com Benny Goodman e, finalmente, com a excelente banda de Woddy Herman, na qual se destacou como instrumentista singular ao produzir dois magníficos solos: Early Autumn e Four Brothers. Como tantos jovens saxofonistas da costa oeste, Getz seguiu os passos de Lester Young, o genial saxofonista que sapateava sobre ovos sem quebrá-los. Nessa época, o bebop começava a rondar o jazz, o rock ainda não havia contaminado o meio musical e a bossa nova engatinhava. O cenário era, então, propício para que Getz mesclasse seu fraseado cool com os alaridos complexos do bop, produzindo uma linguagem e uma sonoridade única e bastante pessoal – Getz é desses gênios que se reconhece nas primeiras notas, como John Coltrane ou Charlie Parker. Arriscaria dizer que, para os meus ouvidos, Stan Getz é uma espécie de Dexter Gordon branco.
Mas os deuses não pararam de ser generosos com Getz: a maldita eletrônica, que logo produziria a barulhenta e insuportável fusion, estava sob controle e limitada praticamente à guitarra.Tudo isso permitiu que Getz desenvolvesse uma sonoridade estritamente acústica, sempre envolta numa nuvem de suavidade sob a qual ele escondia um fraseado rico e complexo moldado nas contribuições dos mestres da costa leste. Improvisando sobre acordes, conseguia dar ao ouvinte a falsa impressão de relaxamento e tranqüilidade melódica, enquanto que os pianistas se dilaceravam nas teclas para acompanhá-lo em suas aventuras harmônicas. Não era à toa que somente pianistas com o calibre de Al Haig, Tony Aless, Duke Jordan e Horace Silver eram capazes de dialogar de igual para igual com ele nesse período inicial da carreira. Antes mesmo de cair no samba e atingir a fama, Getz já havia se estabelecido como um dos maiores saxofonistas do jazz de todos os tempos, com técnica perfeita, fraseado único, inteligência harmônica e sonoridade digna de constar entre os cinco estilistas mais importantes do tenor, ao lado de Coleman Hawkins, Lester Young, Sonny Rollins e John Coltrane. Seus dois únicos problemas talvez tenham sido o de nascer branco e possuir uma tonalidade belíssima, imbatível nas baladas, o que gerava certo desconforto e ira em alguns saxofonistas claudicantes como Ornete Coleman & Cia. Para os amigos navegantes, deixo a faixa The song is you, gravada ao vivo em 1952 no Birdland. Era primavera em New York e com Getz estavam Duke Jordan (p), Jimmy Raney (g), Gene Ramey (b) e Phil Brown (d). O álbum foi lançado em cd pela Fresh Sound em 1991. Boa audição!
Mas os deuses não pararam de ser generosos com Getz: a maldita eletrônica, que logo produziria a barulhenta e insuportável fusion, estava sob controle e limitada praticamente à guitarra.Tudo isso permitiu que Getz desenvolvesse uma sonoridade estritamente acústica, sempre envolta numa nuvem de suavidade sob a qual ele escondia um fraseado rico e complexo moldado nas contribuições dos mestres da costa leste. Improvisando sobre acordes, conseguia dar ao ouvinte a falsa impressão de relaxamento e tranqüilidade melódica, enquanto que os pianistas se dilaceravam nas teclas para acompanhá-lo em suas aventuras harmônicas. Não era à toa que somente pianistas com o calibre de Al Haig, Tony Aless, Duke Jordan e Horace Silver eram capazes de dialogar de igual para igual com ele nesse período inicial da carreira. Antes mesmo de cair no samba e atingir a fama, Getz já havia se estabelecido como um dos maiores saxofonistas do jazz de todos os tempos, com técnica perfeita, fraseado único, inteligência harmônica e sonoridade digna de constar entre os cinco estilistas mais importantes do tenor, ao lado de Coleman Hawkins, Lester Young, Sonny Rollins e John Coltrane. Seus dois únicos problemas talvez tenham sido o de nascer branco e possuir uma tonalidade belíssima, imbatível nas baladas, o que gerava certo desconforto e ira em alguns saxofonistas claudicantes como Ornete Coleman & Cia. Para os amigos navegantes, deixo a faixa The song is you, gravada ao vivo em 1952 no Birdland. Era primavera em New York e com Getz estavam Duke Jordan (p), Jimmy Raney (g), Gene Ramey (b) e Phil Brown (d). O álbum foi lançado em cd pela Fresh Sound em 1991. Boa audição!
03 the song is you... |
30 comentários:
Finalmente, Stan Getz está recebendo o seu devido reconhecimento, por intermédio do Jazzseen e por um dos "adoradores" confessos de John Coltrane: John Lester. Ótimo comentário Lester, que já estava se fazendo necessário, resgatando uma das mais expressivas personalidades do jazz. Parabéns!
meio exagerado esse negocio de melhor estilista lester
Não vejo exagero algum Thiago, Getz é o maior saxofonista do west coast e a homenagem é devida. Creio que seria bom vc ouvir mais antes de fazer julgamentos preciptados.
Que álbum é esse Lester?
Um tanto exagerado, caro JL. Getz é um saxofonista de primeira, mas não tem a excelência de um Rollins ou um Coltrane. Permita-me discordar.
Quanto a seu breve impropério relativo ao "fusion", não seria ele um tanto pré-conceituoso? Não entremos em detalhes, já que o post se destina a Mr. Getz, mas, em momento oportuno, discutiremos sobre o fusion.
Aceita uma postagem?
Prezados amigos,
1) Acredito que, quando desconhecemos a obra de um artista, somos levados a avaliá-lo superficialmente. Eu, que estudei quase toda a obra de Getz, acredito que ele está sim entre os cinco maiores saxofonistas tenores do jazz;
2) O álbum é Stan Getz Quintet - Birdland Sessions 1952 - Fresh Sound FSR-CD 149; e
3) Não há muito que Mr. Grijó possa fazer para que meus ouvidos troquem os instrumentos acústicos pelos nipônicos artefatos eletrônicos. Porém, como se trata de Mr. Grijó, todo texto seu sempre é bem vindo.
Obrigado e um excelente feriado a todos!
Getz é bom, mas a minha lista de cinco não inclui seu nome. Mas tem disco seu que eu não dispenso da minha discoteca.
Creio que me falta um pouco de método para estudar a obra dos músicos que me agradam. Eu apenas ouço e me deixo levar pela impressão. Ficar atento aos detalhes, porém, é de grande valia para a formação do instrumentista - daí eu não ser lá um músico com todas as letras e notas.
Bela resenha, Lester. E que bom quando os comentários são neste nível, concordando ou não com o exposto, mas sem grosseria...Gostei muito!
A polêmica, embora interessante, não tem razão de ser. Stan Getz é sem dúvida um dos melhores tenores que o jazz já produziu. É o melhor tenor do west coast e está entre os quatro melhores do bebop, ao lado de Sonny Rollins, Sonny Stitt, Johnny Griffin e Dexter Gordon. John Coltrane deve ocupar posição de destaque, como todo gênio. Em resumo, Stan Getz está para o sax tenor como Art Pepper está para o sax alto.
Stan Getz é grande tenorista, sim. Acho, porém, que não podemos esquecer de seu "brother" Zoot Sims, que estava no mesmo nível.
Olmiro Müller
P. Alegre - RS
stan gets é um cara q eu n~]ao sei oq comprar dele, não me vem nem um "clássico" instantaneo a mente: quais são os melhores discos do cara?
vinicius
Estou ouvindo But beautiful, com Bill Evans Trio + Getz. Esse é garantido.
Não esqueçam do Lester, o pai de todos.
Prezado Olmiro, considero Sims fantástico, por isso o coloco logo atrás de Getz quando falo em jazz west coast.
E, Vinicius, meu amigo, Lester Young costuma ser 'catalogado' como tenor do swing. E eu estava me referindo ao west coast e ao bebop. Ok, essa coisa de 'catalogar' é muito chata, mas ajuda o debate.
Grande abraço a todos, JL
Ah, sim: Daniel, de fato Lester Young é o maior tenor do swing, concordo com vc. Em segundo, é claro, Coleman Hawkins.
E, Vinicius, estou preparando uma resenha sobre os álbuns de Getz, ok?
Abraços, JL.
Pessoal, em setembro, o blog do CJUB (Clube de jazz & bossa) publicou uma enorme (e disseram que era "reduzida") discografia do Stan Getz; caraca, como o cara gravou!!!
ps.: http://www.charutojazz.blogspot.com
Gostei do que Walter Lima disse: a polêmica não tem muita razão de ser.
Justiça se faça: estamos falando de técnica ou de gosto pessoal? Quando afirmei que "Getz é um saxofonista de primeira", baseio-me, fundamentalmente, no meu gosto, na minha visão pessoal sobre este ou aquele músico, na subjetividade que, ainda bem, faz-nos preferir alhos a bugalhos, e vice-versa. Como não sou músico, atenho-me exclusivamente a isso, ao prazer de ouvir o jazz e seus criadores. Ao dizer que não o coloco na mesma linha de Rollins ou de Coltrane, mantenho o discurso: gosto particular. Agradam-me mais as violações harmônicas de Coltrane e o sopro melodioso de Rollins do que a música - excelente - de Getz.
É, como disse o Walter Lima, uma polêmica desnecessária. Ou não estamos falando de gosto pessoal?
(Depois, ao ler o comentário, o tom parece-me agressivo. Não é, por favor.)
Valeu Olney, mas o Vinicius quer umas indicações exatamente por isso, pelo gigantismo da discografia. Se você quiser a fonte do CJUB vá até
http://www.jazzdisco.org/
Conforme o Lester me informou, é o trabalho de três japoneses muito competentes. Vale conferir.
E falando em indicação, conversei com Lester (por telefone) e ele me recomendou começar com o cd Groovin' High, lançado em cd pelo Japão (Modern to Crown CLP 5002). Adiantando a resenha de Lester, segundo ele, nessas gravações de 1947, fica claro que Getz poderia ter optado por ser um Sonny Rollins, um Harold Land ou um Hank Mobley. Mas ele queria e podia ter voz própria e partiu para a criação de um estilo único, coisa que poucos conseguem no jazz.
O pessoal que está com Getz é: Charlie Shavers (tp) Willie Smith (as) Stan Getz (ts) Red Norvo (vib) Nat "King" Cole (p) Oscar Moore (g) Johnny Miller (b) Louie Bellson (d).
É isso Vinicius, espero que Lester não reclame por eu divulgar aqui parte da futura resenha. Fui!
Gostei dessa de gosto pessoal fica difícil portanto avaliar de forma criteriosa qualquer jazista.
Salsa, pô, enfim te achei!
Abraços,
Rubão Massaranduba
Curitiba
Ô, Rubão, andas sumido, rapaz. Aparece mais aqui na nova casa (e também na filial: mpbjazz.blogspot.com).
ok, valeu a dica!
vinicius
...
ahh, mas tem exageros sim:
afirmar categoricamente que Stan Getz é um dos maiores saxtenoristas do west Coast é dizer o óbvio...mas, afirmar que ele está entre os cinco maiores do jazz é incoerente, já que a gama do saxtenor é bem maior do que o sax alto e até do trompete: tentem estabelecer um ranking dos melhores partindo de Lester Young pra ver em que posição o nosso adorado Stan Getz vai parar...rs
Quanto ao cenário do Wes Coast,só vou dizer alguns nomes do que foram tão notáveis quanto Stan Getz:
Warne Marsh
Zoot Sims
Bud Shank
Lars Gullin
Harold Land - esse foi um monstro !
...mas a resenha está muito bem escrita ! Veleu por esse post!
na minha opinião, depois de Coleman Hawkins, Lester Young, Sonny Rollins e John Coltrane dá um empate brabo no quinto lugar, com muita gente boa no mesmo nível, eu por exemplo curto muito o wayne shorter, o dexter g., o stitt...
de qualquer forma o gets é um cara q eu ouvi pouco...
vinicius
Prezados amigos, na resenha eu disse que Getz construiu uma 'sonoridade digna de constar entre os cinco estilistas mais importantes do tenor'. É importante esclarecer que, com isso, Getz estabeleceu uma sonoridade no tenor que poucos conseguiram estabelecer. Além disso, não me refiro a todo o jazz, mas ao período em que west coast e bebop estavam nascendo. Em relação a Getz, me refiro à fase que vai de 1945 a 1949, período em que mesclou a linguagem cool fornecida por Lester Young com a linguagem do bop fornecida por Charlie Parker. Desse processo surgiram inúmeros grandes tenores e, na minha opinião, Getz é o melhor do west coast, além de ter fornecido o modelo de sonoridade seguido por diversos outros tenores da costa dourada.
não adianta, agora vamos escrever 150 posts contestando sua opinião, até que vc se arrependa, ajoelhe no milho e mande fazer uma camiseta dizendo "gestz não é o numero 5!!!"
vinicius
O problema do Getz era ser branco, genial e bem sucedido. Ninguém aguenta isso, principalmente os racistas que acham que branco não sabe tocar jazz. Sem falar nas mulheres que se derretiam por ele. Sendo sincero, não dá pra falar de west coast sem falar do Getz.
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