10/01/2008

A segunda chance

O destino não permitiu que o saxofonista Frank Morgan completasse seus 74 anos. Restaram 9 dias pra isso. Morgan, morto no dia 14 de dezembro, do apagar do ano que findou, foi o exemplo perfeito, no jazz , do sujeito que recebeu sua segunda chance na vida. Filho de guitarrista que acompanhava o ótimo conjunto vocal Ink Spots e nascido em Mineápolis, era um prodígio que vencia concursos de calouros desde a tenra idade. Primeiro, aos 7 anos, na clarineta, depois, a partir dos 10, no sax-alto. Com o divórcio de seu pais e sob tutela paterna assistiu a uma apresentação de Jay Mc Shann em Detroit onde destacava-se, no grupo, Charlie Parker. “Encontrei Bird após o show e disse a ele que queria aprender e tocar aquelas coisas que fazia”. Em 1948, com 15 anos, morando em Los Angeles, interceptou Duke Ellington, que o testou minutos antes de uma apresentação de sua orquestra no Shrine Auditorium. Passou com louvor à “prova de fogo”, e iria substituir o sax-alto, Johnny Hodges, numa de suas saídas da banda. Devido a sua minoridade, foi impedido por razões legais. Participante de concurso de novatos em “jams dominicais”, teve a honrosa companhia de outros calouros como: Billie Holiday, Dexter Gordon, Wardell Gray no Club Alabam. Por seu precoce talento obteve a oportunidade de gravar, em 53, na companhia de Milt Jackson e do baterista Kenny Clarke. Porém, ao mesmo tempo, iniciou severa dependência química (heroína e cocaína). “Pensava que o estilo de vida do músico de bebop agregava o uso da heroína”. Após comunicar seu hábito a Parker , que inicialmente o repudiou , colocando seu próprio exemplo, e depois , euforicamente, compartilhava agulha e seringa na aplicação da cocaína, Morgan desceu ao inferno das drogas. Com a necessidade diária, às vezes, de mil dólares, pra sustentar o vício, começou a traficar, cometer furtos e emitir cheques “frios”. Quando seu primeiro disco foi lançado, em 55, estava numa cela da penitenciária de San Quentin cumprindo pena, entre outros delitos, pela emissão de mais de 600.000 dólares de cheques “descobertos”. Entre “idas e vindas” do sistema prisional, e com postura assumida de não “entregar seus comparsas”, Morgan passou quase trinta anos de sua vida entre grades e muros. Viveu situações surrealistas. Em 62, encontrou o sax-alto Art Pepper cumprindo pena por posse de narcóticos. Organizaram um grupo, os dois e mais outros penalizados de San Quentin, recebendo “facilitações” como: cortes de cabelo, balas, maconha e até algum dinheiro. Eram retribuições pelos “tours” remunerados que a direção do presídio promovia entre turistas que tinham a curiosidade em saber como funcionava uma prisão. Eram recebidos com música e festa. Em 1985, a custo do uso prolongado da metadona e livre da custódia penal, decidiu recomeçar a vida. Organizou o retorno a sua carreira artística. Wynton Marsalis(t), Cedar Walton(p), Billy Higgins(bt), Mc Coy Tynner(p), George Cables(p) são alguns membros do aristocrático grupo de seus pares que surgiram a apoiar seu “renascimento”. Lançou bons, e , alguns, ótimos, discos pelos selos Contemporary, Antilles, Telarc, High Note, sempre com uma base melódica e rítmica impecável. Em sua ultima extravagância , em 87, participou de um musical, em circuito alternativo, sobre sua vida. O título, mais cretino possível, numa tradução livre: “Prisão que vestiu casaca”. No fim, essa iniciativa se tornou dolorosa demais. “Era difícil reviver experiências , todas as noites, de violência e morte que assisti nos anos que fiquei preso”. Em 98, sofreu um derrame , superando a maior parte das seqüelas. Quando encerrou uma excursão pela Europa , em 2007, recebeu a notícia do câncer no colón. Viveu apenas um mês depois disso. Já havia agarrado a chance que merecia. Para os visitantes fica a faixa Billie's Bounce, retirada do álbum Yardbird Suite, gravado em 1988 para a Contemporary. Com Frank estão Mulgrew Miller (p), Ron Carter (b) e Al Foster (d).

6 comentários:

John Lester disse...

Prezado Edú, obrigado por mais uma generosa contribuição.

Grande abraço, JL.

Anônimo disse...

Estranho: o sr.Edu está mais comedido ou foi a linha dura de John Lester que o impediu de escrever seus textos laudatórios?Brincadeiras a parte e retomando o assunto Frank Mogan, foi realmente uma pena que o mesmo tenha passado quase metade de sua vida na cadeia. Ficou tanto tempo lá, que pensou em formar um conjunto musical chamado "The Jail jazz group". Não deu certo porque Art Pepper queria ser o líder e aí houve brigas e o negócio não foi adiante. Mas, Morgan era um saxofonista muito bom. Deixou poucos e ótimos discos gravados, mesmo após 1985 quando retornou a suas atividades musicais e o contexto do jazz já era bastante diferente dos anos de ouro(1940/60). Com a sua morte, restou-nos os seus albums gravados. Procurem ouvi-los!

Anônimo disse...

Um mestre so sax alto pouco reconhecido, valeu a resenha edu

Anônimo disse...

delícia...

Anônimo disse...

Mais uma daquelas perdas irreparáveis!

Anônimo disse...

Interessante o nº de músicos de Jazz que foram crianças prodígios, mostrando desde muito cedo o dom musical. E triste o fato de muitos dêles terem uma história trágica, sucumbindo às drogas e às bebidas, chegando ao ponto de serem presos. Será que uma grande sensibilidade contribui para isso? Seria simplificar o problema, mas acho que contribui...
Bom trabalho, Edú, e ótima faixa.
Muito bom, parabéns!