28/01/2008

Setenta e cinco anos tocando sax

Peço encarecidamente que alguém me diga se algum saxofonista alto do jazz, ainda vivo, tocou mais tempo do que e tão bem quanto Hal McKusick. Ele começou em 1939, aos 15 anos, passando por uma série invejável de grandes bandas: Les Brown, Woody Herman, Boyd Raeburn, Alvino Ray, Buddy Rich, Claude Thornhill, Terry Gibbs e Elliot Lawrence. Suas performances ao lado de vários mestres também foram inúmeras: Art Farmer, Al Cohn, Bill Evans, Eddie Costa, Paul Chambers, Connie Kay, Barry Galbraith e John Coltrane, apenas para citar alguns deles. Sua principal característica, o que fazia dele um instrumentista muito especial, era a suavidade e delicadeza com que combatia os mais complexos arranjos, suavidade e delicadeza que por vezes nos fazem lembrar do sedutor sopro de Lester Young. Entre seus admiradores, já em 1945, consta ninguém menos que Charlie Parker, o que torna fácil compreender porque músicos como Lee Konitz e Paul Desmond seguiram a doce trilha aberta por McKusick. Em outubro de 2007, nosso amigo Marc Myers, jornalista e historiador residente em New York, conversou com McKusick por telefone (veja a conversa completa aqui). Marc achou interessante que a voz e a personalidade de Hal são extremamente parecidas com seu sopro: tranqüilo e lírico. E o fato de o nome Hal McKusick ser pouco conhecido hoje em dia talvez deva-se ao fato de que o saxofonista permaneceu muitos anos (1958 a 1972) trabalhando como contratado da CBS e como músico de estúdio. Atualmente, Hal é professor numa pequena escola. E quase ninguém lembra que, na década de 1940, ele era um dos raros saxofonistas alto com sonoridade própria – ao lado dele podemos citar muito poucos: Charlie Parker, Benny Carter, Johnny Hodges, Art Pepper, Lee Konitz, Paul Desmond, Phil Woods, Jackie McLean e Cannonball Adderley. Nascido em 1924, em Medford, MA, Hal comenta que, aos oito anos, pediu a mãe um clarinete como presente de Natal. Sua mãe concordou, desde que ele prometesse praticar sete dias por semana, indo à aula toda semana. Ele prometeu, e deu no que deu. Aos nove anos já tocava, além do clarinete, o sax alto e, em poucos anos, já lia bem qualquer partitura. Aos quinze já tocava em pequenos bares e formava seu primeiro conjunto. Com a ajuda de Joe Glaser, então agente de Louis Armstrong, conseguiu ser contratado por Les Brown.Hal estava com 18 anos de idade.

Mais tarde, na década de 1940, Hal trabalharia com a orquestra de Boyd Raeburn, talvez uma das melhores daqueles tempos. Foi ali que Hal tocou com Dizzy Gillespie, Benny Harris, Al Cohn, Serge Chaloff, Trummy Young, Tadd Dameron, Oscar Pettiford e Don Lamond. Os arranjadores eram Johnny Mandel, George Handy e Johnny Richards. Depois disso, Hal parte para a Califórnia, onde gravaria algum dos V-Discs, álbuns promovidos pelo governo para distribuição junto às tropas norte-americanas em luta na Europa. Com ele estavam Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Milt Jackson e Stan Levey, entre outros. Foi durante essas gravações que, após tocar um solo com os olhos fechados, ao abri-los viu que Charlie Parker o observava atentamente e, em seguida, disse a ele: isso é que é som! Hal nunca mais esqueceria esse dia, e esse elogio. Durante a década de 1950, além de ser um dos músicos de estúdio mais solicitados, Hal grava alguns de seus melhores álbuns como líder, num contexto que eu aprecio muito e que podemos denominar de cool bop, onde a complexidade rítmica e harmônica é camuflada pela retórica sutil do west coast. Seus companheiros de gravação nessa época são, entre outros, Barry Galbraith, Milt Hinton, Osie Johnson, Art Farmer, Jimmy Cleveland, Eddie Costa e Bill Evans, sempre auxiliados por excelentes arranjadores, como Manny Albam ou George Russell. Para os amigos deixo a faixa Don’t Worry ‘Bout Me, retirada do álbum Triple Exposure, gravado em 1957 para a Prestige. Com Hal estão Billy Byers (tb), Eddie Costa (p), Paul Chambers (b) e Charlie Persip (d). Boa audição.


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11 comentários:

Marília Deleuz disse...

Delícia acordar no meio da noite e ouvir o Jazzseen. Obraigada!

Anônimo disse...

véi sinistro

Anônimo disse...

Excelente o som do 'menino'.

Anônimo disse...

gostei das novas dicas de vinhos e livros!

Cinéfilo disse...

Brilhante resenha, JL.
Como usual.

E gostei da nova cara do blog, em especial o excelente (porém com alguns dados controversos, segundo Marlyse Meyer)Uma História da Leitura, do Manguel.

Anônimo disse...

Esta história de Hal McKusick todo mundo sabe, inclusive seu melhor disco é "Now's the Time" (1957-8)pela gravadora Decca. Conta outra sr.Lester!

Anônimo disse...

Talvez seja preciso colocar uma plaqueta no estojo do Selmer advertindo: tocar sax-alto torna a vida mais longeva .Edú

Anônimo disse...

E viva McKusick por muito tempo. Bud Shank está na esteira ? John Lester há também de ficar assim, bermuda, sandália, na Barra do Jucu.

John Lester disse...

Prezados amigos, obrigado pela força. Sem vocês nada disso faria sentido. Só espero que possa acabar meus dias aqui mesmo, em Vila Velha (Barra do Jucu tem muito congo).

Querido mestre Grijó, infelizmente não poderei ir ao CT amanhã (estou resolvendo algumas pendências inadiáveis no trabalho). Mande um abraço aos demais amigos-sócios.

JL.

Anônimo disse...

bom demais o cara!

ReAl disse...

Infelizmente só tenho discos de Hal ocupando a kitchen. O som é mesmo muito agradável. Tentarei arranjar alguma coisa gravada como líder.