Mal entrava no escritório mofado de vovô Acácio quando pude ouvir o final de seu resmungo: “a dose é que faz o veneno”. Antes que pudesse perquiri-lo sobre a famosa máxima, esclareceu-me que era de Paracelso, um médico corcunda que escrevia seus tratados científicos em forma poética, o que evitava problemas com a Inquisição uma vez que o texto poético admite uma infinidade de interpretações, o que facilitava, em casos de necessidade, encontrar uma que se adequasse aos anseios da Igreja ou do Papa, escapulindo assim o estranho doutor da excomunhão ou da fogueira. Enquanto falava, vovô limpava cuidadosamente seu steel ukulele, uma espécie estranha de cavaquinho que ele inventou em New Orleans, mas cuja patente foi adquirida por um saxofonista judeu que abandonou a música para se dedicar à bolsa de valores. Vovô explicou que steel guitar é expressão que se refere antes a um método que um instrumento específico: a guitarra é tocada na horizontal, por exemplo, deitando-se o violão sobre os joelhos, e com o auxílio de uma peça de aço (steel) que substitui o dedilhado. Diz a lenda que a coisa começou no Havaí, por volta de 1900. Mas adverte: não se deve confundir a steel guitar com a guitarra havaiana, esta última constituindo-se de uma guitarra comum, tocada com os dedos e na posição tradicional ou espanhola, só que com as cordas afrouxadas. Nem tampouco se deve confundir a steel guitar com a bottleneck guitar, tocada na posição tradicional com o auxílio de um gargalo de garrafa, muito comum entre os guitarristas de blues. Com o tempo a steel guitar foi tomando forma cada vez mais distinta da guitarra tradicional, até que perde o corpo com a eletrificação, sobrando apenas o braço e, em alguns casos mais extremos, fica com dois braços. Assustei-me quando, quebrando na parede uma garrafa já vazia de Jack Daniels, vovô pegou o gargalo e começou a improvisar sobre o tema de Indiana com seu estranho cavaquinho, acompanhando Buddie Emmons, exímio intérprete da steel guitar. Lembro que o álbum era Steel Guitar Jazz, gravado em 1963, com Jerome Richardson (ss, ts), Bobby Scott (p), Art Davis (b) e Charlie Persip (d). ( ) Embora não tenha sido o primeiro nem o único a ter feito jazz com a steel guitar, sem dúvida Buddie é o responsável pelo primeiro álbum totalmente dedicado ao instrumento, álbum aliás excelente. Entre as faixas vale ressaltar Oleo, de Sonny Rollins, que, segundo se comenta, não virá a Vitória no Tim 2008.
8 comentários:
Ukelele bacana é esse aqui:
http://br.youtube.com/watch?v=-J30S6hkiyU
provem.
Querida Paula, obrigado pela resenha. É sempre muito bom recordar as peripécias de vovô Acácio.
Grande abraço, JL.
adorei o post, gosto muito deste blog!
tatoca
Agora sim, ms. Nadler, grato, muito grato, gratíssimo: na agulha e evoluindo, Buddie Emmons em "Steel Guitar Jazz" 1963. Pelo andar da carruagem e o já ouvido, auspiciosas expectativas estão guardadas para o conjunto da obra - que já vai pela faixa 5.
John Lester, percebi uma intimidade... mais até, uma paternidade estética em sintonia fina de Buddie Emmons para com Danny Gatton. Exagerei não, né? Me atrevo em dizer que fui na mosca dessa vez.
Obrigado, amigos! Papa fina a parada.
Paula,
Depois do nosso encontro, regado por bons vinho e papo, ficou aquela vontade de revê-la. O incômodo compromisso do qual lhe falei foi devidamente apagado da agenda. Assim sendo, fica valendo o jantar nas serras capixabas.
Não esqueça de levar esse disco.
Beijos
Tá legal!
Em tempo: mas vai depender do Vovô Acácio... se êle deixar, tudo bem!
Querido Salsa, eu levo o vinho, você o sax. Bju.
Postar um comentário