25/09/2008

Os 90 anos de Hank

A condução na cadeira de rodas em direção ao piano não provocou sensação de piedade ou temor ao público do Birdland em Nova Iorque nas noites de 2 e 3 de agosto passado. Refletia apenas a deterioração física de pessoa idosa carente de auxilio pra se aproximar do seu instrumento de trabalho. Para os donos do Birdland a dificuldade maior seria: como colocar as noventa velas (representativas dos 90 anos - idade do aniversariante no dia 31 de julho) num bolo. O interesse da platéia, por sua vez, antecipava o instante em que o agora nonagenário Hank Jones repousaria seus longos e finos dedos sobre os teclados iniciando a articulação de notas definidas - no seu estilo pessoal - como vigorosas, quando necessárias e delicadas na sugestão da sensação da mão na superfície da água. Hank Jones persiste sustentando a tradição do piano no jazz sem assumir postura intransigente, purista ou provocadora. Coloca apenas sua capacidade lírica distante da afetação do sentimentalismo f ácil.Sua habilidade de improvisação carrega a necessária quantidade de notas que dão abrigo também à pausas e silêncio - necessários a respiração.A virtude que Hank Jones mais admirava em seu amigo Count Basie era a despretensão.Basie desenvolveu estilo próprio de tocar piano: munido na maioria das vezes numa quantidade boa o suficiente de notas desenvolvidas em acordes usando apenas alguns dos dez dedos de suas mãos. Nessa lição recebida, Jones se coloca da mesma forma "despretensiosa" na situação privilegiada de testemunha da evolução do jazz.Trajetória, aliás, que se inicia em 1943.Mesmo mais cedo, em seu berço familiar.Primogênito de sete irmãos. Dois deles, Thad Jones (trompetista da banda de Count Basie e criativo compositor-arranjador de seu tempo) e Elvin Jones (um dos maiores bateristas do jazz e extremidade do quarteto "mágico" de John Coltrane) infelizmente já mortos. Natural de Vicksburg, Jones mudou-se na infância pra Pontiac região adjacente a Detroit.Em 1942 é convidado pelo saxofonista Lucky Thompson pra juntar-se a banda de Hot Lips Page em Nova Iorque no Onyx Club da lendária rua 52. Influenciado pelos estilos de Art Tatum, Nat King Cole, Teddy Wilson e Fats Waller cultivou distante respeito, sem, contudo, levar "pretensão" a imitá-los. Com Tatum, seria praticamente impossível já que quando o ouviu pela primeira vez - numa transmissão de rádio - imaginava tratar-se de dois pianistas que "duelavam", tamanha a facilidade e agilidade com que explorava todos os "territórios" do piano. Hank foi o pianista da Jazz at The Philarmonic (JATP) de Norman Granz. Nesse período gastava seu tempo fora dos palcos na leitura e estudo das sonatas de Bach (hábito mantido em aulas particulares por 30 anos).A maioria de seus colegas, por sua vez ,dedicavam-se nas mesmas horas livres ao consumo de álcool e jogos de azar.Tocou no grupo de Charlie Parker em 1948 e depois com Coleman Hawkins em 54.Em períodos consecutivos acompanhou Ella Fitzgerald (por cinco anos) e fez parte das bandas de Benny Goodman e Artie Shaw.Por 17 anos,de 59 a 76, foi o pianista da orquestra da Rede CBS. Acompanhou cantores, balés, sapateadores, cachorros e elefantes adestrados. Após o final do expediente ainda defendia "uns cobres" tocando solo no Zigfield Restaurant. Nos anos 70 foi diretor musical e pianista da peça da Broadway ''Ain't Misbehavin"(baseada na obra de Fats Waller).Com todas essas reminiscências,passagens e lembranças poderia considerar-se saudosista ou nostálgico.Muito pelo contrário, nos últimos vinte anos, com mais de 70 anos e sessenta "brevetado" na música - num exame da longa carreira,podemos identificar dois dos melhores discos em forma de trio(p/b ac/bt) das décadas (90 e 2000) com sua assinatura (The Oracle e Upon Relection: The music of Thad Jones). Em 2007, seu disco "Hank and Frank" foi um dos três títulos do ano selecionado pelos críticos da revista Down Beat com a cotação máxima de excelência (cinco estrelas). Exerceu sua arte de acompanhante num bonito álbum (You are There, de piano e voz) com a nova diva do jazz, Roberta Gambarini. Colocando de lado, nessa retrospectiva, a companhia constante exigida por Joe Lovano a sua presença nos trabalhos do saxofonista. Pra certas pessoas, a vida está mesmo mal começando. E, para os amigos, fica a faixa Don't Blame Me, ( ) retirada do álbum Hank Jones Quartet & Quintet, gravado para a Savoy em 1955. Com Hank estão Donald Byrd (t), Eddie Jones (b) e Kenny Clarke (d).

13 comentários:

John Lester disse...

Prezado Edu, obrigado por mais uma excelente resenha.

Grande abraço, JL.

LeoPontes disse...

De Hank Jones tenho ouvido,regularmente, o "For my Father" que instrui muito bem,também, esta resenha do Edú.

Valeu.Ele merece e muito !!!

Abçs
Leo Pontes

Anônimo disse...

Belíssima resenha, didática e delicada, muito agradável de ler..e ouvir !

Anônimo disse...

Boa escolha da foto,JL.Ela era certamente meu plano B.Vamos em frente,existe uma infinidade de personagens por emoldurar,ainda, no Jazzseen.Abraço.Edú.

Anônimo disse...

Até que enfim alguém lembrou-se do fabuloso Hank Jones, um dos maiores pianistas de jazz, muitas vezes esquecido e colocado num plano inferior a outros de menor expressão. E, para minha surpresa, quem eu menos esperava, foi o autor dessa "resenha-homenagem". Parabéns sr.Edú!

Marília Deleuz disse...

Bom saber que o Jazzssen continua vivo, embora Mr. Lester quase não mais compareça com suas alfinetantes resenhas de outrora. Boa essa lavra de Mr. Edù, certamente um conhecedor apaixonado pelas coisas do jazz. Beijos!

Anônimo disse...

Sempre nocivo, esse Edú.

Don Oleari disse...

Mais do que apreciar e degustar seu excelente relato, Edu, bom mesmo seria eu também estar lá pra curtir o piano do veinho Jones, nememo? Belezza!
Ao Lester: essa garrafa de Santa Ema envelhecendo aí é tentadora!
Abraços, sucessos pra vocês, que são dusbão. Do Oleari.

Danilo Toli disse...

Hank merece toda nossa atenção.

figbatera disse...

Pois é, apesar da ausência (deve ser por justo motivo) do Lester, o blog ainda tem andado - embora mais devagar - guiado por outros colaboradores quem têm nos brindado com ótimas resenhas.

Salsa disse...

Bela resenha, Edu,
Fez-me buscar um disco que eu gosto muito: o que ele gravou com Lovano, há pouco tempo. Alguns amigos do clube das terças torceram o nariz quando eu disse isso. O fato é que eu ainda acho um disco muito bom. A formação é difícil (já ouvi diversos com grandes nomes do jazz que não me agradaram tanto quanto esse), mas Hank consegue manter uma coesão ímpar com o som de Lovano. O velhinho é foda!

Anônimo disse...

JL, mandei algo pra ti.Por favor, confira.Abraço.Edú

APÓSTOLO disse...

Prezado EDÚ:
Quem sabe, sabe. E quem sabe de HANK JONES sabe muito mais.
Belo texto, justa e mais que merecida homenagem, dever de casa cumprido, nota 10 com louvor.
O trabalho de HANK JONES como pianista (ao lado do também pianista Luther Anderson, Sheldon Powell/sax, John Parran/clarinete, Virgil Jones/trumpete, Janice Robinson/trombone, Arvell Shaw/baixo e Joe Marshall/bateria) na peça "Aint't Misbehavin" (The New Fats Waller Musical Show), felizmente está devidamente registrado em belo LP duplo da RCA (Red Seal), primoroso texto de Murray Horwitz. É trabalho sério.
Parabéns por sua lembrança e texto que nos agrega conhecimento.