09/12/2008

Edú é blue

Nosso amigo André Tandeta, músico e colaborador do CJUB, comparece pouco aqui no Jazzssen, mas, quando aparece, sempre traz luz e calor aos debates dos quais participa. Num de seus comentários mais recentes, André sustenta com todas as suas baquetas a valorosa colaboração de Edú, nosso correspondente Jazzseen em São Paulo. Segundo Tandeta, Edú é “um valoroso e excelente escriba” além de ser “um conhecedor de jazz” e possuir um “ótimo texto na língua pátria, simples, direto e, pelo visto, livre de certos cacoetes modernos”. Tandeta não apenas está certo, como também faz recordar imediatamente o centenário ensinamento XXVI do jesuíta espanhol Baltasar Gracián (1601-1658), que em sua obra A Arte da Prudência leciona: “Satisfazer-se mais com intenções que com extensões. A perfeição não consiste na quantidade, mas na qualidade. Tudo o que é muito bom sempre foi pouco e raro: o muito é descrédito. Mesmo entre os homens, os gigantes costumam ser os verdadeiros anões. Alguns avaliam os livros pela corpulência, como se escritos para exercitar mais os braços do que os engenhos. A extensão sozinha nunca pôde exceder a mediocridade, e essa é a praga dos homens universais: por quererem estar em tudo, estão em nada. A intensidade dá eminência, e é heróica se em matéria sublime”. Se Tandeta me lembrou Gracián, Gracián me lembra o primeiro encontro que tive com Angela Davis, professora de História da Consciência Negra na University of California, em Santa Cruz. Eu passeava com Bessie, a shar-pei negra de meu primo Juca, quando um chow-chow branco se insinuou saliente. Angela pediu desculpa levemente constrangida com a atitude viril de Daddy.
Enquanto eu sorria, Angela, confusa, deixou cair no gramado um volume de seu Blues Legacies and Black Feminism: Gertrude “Ma” Rainey, Bessie Smith and Billie Holiday. Gentilmente o recolhi e, ato contínuo, perguntei-lhe se era um bom livro, assomando que apreciava muito o blues. Entre tímida e aturdida, Angela confessou-me que era ela a autora e, assim sendo, preferia não manifestar sua opinião. Sorrimos os dois, seguindo pelo gramado do condomínio enquanto trocávamos algumas idéias acerca do blues. Angela reportou que sua releitura do blues clássico trouxe novas perspectivas para esse gênero que sempre foi considerado estéril como música de protesto. Nas páginas 95 (first Vintage Books edition, 1999) e seguintes, Angela faz uma interessante análise paralela de dois blues: Poor Man’s Blues e Washwoman’s Blues, concluindo que Bessie Smith não sofria de nenhuma apatia política como fora tantas vezes acusada, mas apresentava, sim, suas manifestações de protesto quanto às condições de vida do afro-americano e, especialmente, da mulher negra norte-americana que, após a libertação dos escravos, estava condenada a lavar roupa, cozinhar e encerar chão para patrões brancos, além de servir sexualmente a seus violentos maridos. Angela, em seu livro, não se limitou à uma análise estritamente semântica ou sintática das letras cruas, nem tampouco às melodias e aos músicos que a acompanhavam, mas demonstrou de forma inteligente e clara que o blues clássico, com toda a sua simplicidade e objetividade aparente, possuía aquele grau de ironia, conteúdo e qualidade de que nos fala Tandeta e Gracián. Enquanto o amigo Edú não compõe um blues, ficamos com I’m Wild About That Man , com Bessie Smith - a voz mais negra da noite mais profunda, Clarence Williams (p) e Eddie Lang (g), gravada em 1929. A perspicaz escritora, além de traçar com clareza a linha de continuidade entre o blues clássico, o jazz, o rhythm and blues, o funk e o hap, retirando das ingênuas entrelinhas do blues rural do sul e do blues urbano do norte os temperos de protesto, ainda traz todas as letras das canções de Gertrude e Bessie, dificilmente encontradas em outras fontes. Thank you Angela Yvonne Davis. Ou seria a voz mais profunda da noite mais negra? Só mesmo mestre Edú para nos esclarecer.

15 comentários:

Anônimo disse...

Mr. Lester,
a gloria ,ainda em vida, de ser citado nominalmente na abertura do jazzseen sera pra sempre lembrada.
Suas idas ao CJUB são sempre muito boas e com otimas dicas de discos. Alguns eu fui atras e não me decepcionei.
Que tal ir mais vezes la e nos dar mais dicas e um pouco de sua inteligencia e bom humor?
Abraço

Paula Nadler disse...

Querido Lester, essa resenha até vovô Acácio aprovaria caso ainda pudesse ler ou ouvir. Beijo, Paula.

Sergio disse...

Edu (também) é o cara, Lester!

Sandra Leite disse...

Lord Lester,

quase morri ao ver seu comentário no IeBN. o Jazzseen é disparado o melhor blog de música, referência. Me rendo a toda a equipe. Vocês são maravilhosos!!!

(hoje nem sei se trabalho mais :) )

Grande abraço

Anônimo disse...

Tandeta, o JL é o responsável direto(no primeiro ano em associação com o Salsa) pelo sucesso absoluto desse espaço.Sua determinação, inteligência e carisma construíram esse bem sucedido “case” da Internet.Caro amigo Sérgio, no meu primeiro ano de Jazzseen certamente aprendi importantes lições q levo para vida inteira.Algumas suas e q me levaram a valorizar mais ainda nossa amizade.E sou azul bb, sempre.Edú

Anônimo disse...

Delícia esse cachorro...

Salsa disse...

Pois é, Sandra,
E Lester ainda sabe cozinhar...

Marília Deleuz disse...

Realmente, o que seria de nós sem esse blog? Edú merece os elogios e tem enriquecido muito os trabalhos da equipe Jazzseen. Vida longa a todos! PS. que bebê lindo é aquele?

Anônimo disse...

Cambada de puxa-sacos!

Anônimo disse...

Lester,a radiola(?)não está tocando...nem aqui, nem no post anterior, Lenda Viva, onde alás tocou muito no começo!
Vê se dá para acertar,ok?

Anônimo disse...

Sinistro...

figbatera disse...

Finalmente o Jazzseen está, de novo, com a corda toda...

Anônimo disse...

Queremos resenha nova Mr. Lester!

Cinéfilo disse...

Carísimo JL, a magnífica tarde de sábado - entre amigos e boa música - merece a eternização em blog.
Grande abraço e obrigado por tudo.

Grijó

Internauta Véia disse...

Mr. Lester, voltei aqui depois de ver o título no FEEDJIT, e foi muito bom...A resenha está ótima, para não fugir à regra, e ouvir Bessie Smith, bom, muito bom...O Jazzseen pode ser visto e revisto, lido e relido, ouvido e reouvido...sempre nota mil!