16/09/2009

Ave Maria Mater dei, Ora pro nobis pecatoribus

Como não agradecer a Mr. Lester? Com generosas mochilas às costas e todas as articulações perfuradas por mosquitos indomáveis, chegamos finalmente ao cume mais alto dos Pontões Capixabas, recanto considerado por Burle Marx como uma das mais lindas manifestações aleatórias da natureza. Sim, há dezenas de pequenos e médios ‘pães-de-açúcar’ espalhados a esmo ao longo de um belo descampado recortado pelas águas do Rio Pancas, um dos afluentes do Rio Doce, nas imediações do município de Colatina. Enquanto acariciava as reticentes bolhas adquiridas durante a colossal caminhada, ouvi Lester comentar: “foi aqui, disse saudoso, que Burle Marx descobriu a bela e curiosa Merianthera burle-marxii, um arbusto atarracado dotado de flores violetas, pertencente à família das Melastomataceae (bocas-negras), a mesma das Quaresmeiras.” Retirando de sua mochila o clarinete, Lester inicia solene uma emocionante interpretação de Ave Maria em ritmo de samba. Uma homenagem, segundo ele, a essa obra de arte natural esquecida por Deus e maltratada pelo homem. Em 2002, a área foi transformada em Parque Nacional e, recentemente, em Monumento Natural, permitindo, assim, a manutenção dos moradores na bela região, hoje palco cafeicultor. Todas estas deliciosas e tristes recordações vieram fáceis enquanto eu ouvia o álbum Worldbeat Bach, do clarinetista Richard Stoltzman, gravado em 1999 e que apresenta uma série de composições do barroco alemão em ritmo de jazz, samba e bossa nova. Além do domínio técnico exigido pelo rigoroso repertório clássico, que domina tranquilamente, Richard possui aquela rara sensibilidade do improvisador, que lhe permite frequentar o ambiente do swing ou do choro, graça concedida apenas a alguns poucos eleitos. Para os amigos fica a faixa Ave Maria - com Richard estão Gary Burton (vib), Peter John Stoltzman (p), Jeremy Wall (key), Romero Lubambo (g), Paul Meyers (g), Eddie Gomez (b) e Cyro Baptista (d) — e algumas informações adicionais sobre os Pontões Capixabas, retiradas do site Século Diário: “A região dos Pontões Capixabas, de Pancas a Ecoporanga - são oito municípios no total - tem área de 110 mil hectares. A área dos Pontões Capixabas já foi considerada a mais bela do planeta pelo paisagista Burle Marx, mas está devastada: perdeu a quase totalidade de suas matas nativas e, portanto, não tem mais água em abundância. Os predadores agora devastam os seus monumentos em granito.Cientistas e ambientalistas defendem a criação de um mosaico de unidades de conservação para os Pontões Capixabas. Entre as entidades que defendem esta proposta está o Conselho Natural da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CN-RBMA). Até agora não houve empenho em discutir um projeto para toda a região. O MMA e o governo do Estado sequer chegaram a liberar os recursos necessários para que a região fosse inteiramente fotografada do ar durante os estudos da área. A documentação aérea, passo essencial para saber o que resta de cobertura vegetal, só cobriu 90 mil hectares dos Pontões Capixabas. No processo de criação da unidade, o Ibama destacou a importância dos Pontões Capixabas. "A região noroeste do Espírito Santo foi, até o final da década de 1920, inteiramente coberta pela floresta atlântica. Com a cafeicultura, iniciou-se a ocupação mais intensa e a quase total transformação da área, fazendo com que hoje os remanescentes de vegetação nativa sejam muito raros. Uma particularidade regional ajudou a preservar alguns destes fragmentos, em locais quase inacessíveis: a presença de centenas de inselbergs, aqueles morros com formato de pão-de-açúcar, que conferem à região uma beleza singular.

Os maciços se distribuem por uma ampla região entre os municípios de Pancas e Ecoporanga. São compostos principalmente por granitos muito antigos, que originaram solos pobres e ácidos. Os rios que drenam a área são afluentes do Rio Doce e do rio Cricaré. O clima é do tipo tropical semi-úmido, com estação chuvosa no verão e seca no inverno. Dezembro e janeiro são os meses mais quentes e junho e julho os mais frios. A vegetação original é a floresta estacional semidecidual submontana. Esta floresta, onde parte das árvores perde as folhas na estação seca e fria, foi praticamente dizimada em sua área de ocorrência no Espírito Santo, substituída por agricultura e pastagem. Os remanescentes correspondem a áreas de maior declividade ou acesso difícil, como o topo dos pontões rochosos. Estes pontões formam vales fluviais alongados e encaixados, com relevo bastante abrupto, que criam condições peculiares para a floresta, em função de sombreamento, profundidade variável do solo e disponibilidade de água. A vegetação varia em pequenas extensões desde floresta subperenifólia de várzea e de encosta até florestas inteiramente caducifólias (onde a maior parte das árvores perde as folhas no inverno), nos sopés dos afloramentos, e vegetação rupestre sobre os afloramentos, criando condições que favorecem a existência de alta diversidade biológica. A fauna do noroeste capixaba foi muito pouco estudada e fortemente impactada pela ocupação humana e alteração do ambiente. Ainda são citados para a região a ocorrência da preguiça-de-coleira, da paca, do gato-do-mato, do gato-maracajá, do tamanduá-de-colete, do barbado, do sagui-de-cara-branca e da lontra, entre os mamíferos. Mais de 118 espécies de aves foram registradas.

10 comentários:

John Lester disse...

Prezado Mr. Serralho, caminhante amigo, obrigado pela recordação em forma de resenha.

É como eu sempre disse: samba também é jazz.

Grande abraço, JL.

Érico Cordeiro disse...

Caro Mr. Serralho,
Ao ler essa bela resenha, quase pude sentir as incômodas picadas dos indóceis mosquitos que povoam os Pontões Capixabas.
A descrição do roteiro deixou-me sem fôlego, como se tivesse eu mesmo acompanhado os destemidos viajantes.
Viajante, aliás, é a palavra adequada para definir o som de Mr. Stoltzman.
De uma forma semelhante, à sua própria maneira, o talentoso Seteve Kuhn também andou dando uma boa swingada no repertório clássico, interpretando fabulosamente peças de Mozart e Tchaikovsky, no excelente Pavane For a Dead Princess.
Abraço fraterno!

edú disse...

Alguns músicos eruditos gostam de tocar jazz, nos horários livres, para se divertir.Alguns deles nos divertem mais.Outros, nem tanto.Mas como me disse um professor da disciplina de instrumentos de sopro do Conservatório Musical de Tatuí : é humanamente impossível e racional servir a dois deuses.

Salsa disse...

Pouco passa das seis. Hora da ave maria. Sempre me emociono ao ouvi-la, mas dispensaria a batucada.
Quanto às formações rochosas do ES, o destino está traçado: paredes e pisos da europa e da américa do norte. De quebra, os 'córgos' da região estão sendo assoreados e envenenados pelo pó que sobra do polimento das rochas. As empresas encarregadas da extração estão se lixando.

Tobias Serralho disse...

Caros amigos virtuais Érico, Edú e Salsa, obrigado pelas palavras de retorno, sempre gentis e informativas. Só fiquei triste ao saber que o mármore de Carrara é daqui. Agradeço também a Lester, sempre generoso e paciente com esse pobre escriba.

Internauta Véia. disse...

Quanta beleza!
Nunca tinha visto fotos dessa região capixaba, que maravilha! E a música...linda em qualquer rítmo!
Parabéns, Mr.Serralho!

Andre Tandeta disse...

Post muito interessante e esclarecedor.Musica nem tanto ,mas valeu conhecer.
Abraço

Tobias Serralho disse...

Obrigado Internauta e André pelos comentários. Abraços!

PREDADOR.- disse...

Como comentou o sr.Edú, "servir a dois deuses é humanamente impossível e racional". Mr.Lester: samba não é jazz não, preste atenção! Ao sr. Serralho: "dormis cvm bispus".Amem!

Roberto Scardua disse...

Grande bobagem essa coisa de 'impossível servir a dois deuses ao mesmo tempo'. Poderia citar uma dúzia de músicos capazes de transitar bem tanto no jazz quanto no clássico, mas não vem ao caso.

É isso aí Tobias, valeu!