25/09/2009

Relação estável no jazz

Grande parte dos casamentos celebrados na serena convivência contemporânea não obteve o mesmo destino. Pactos ou tratados combinados - na mesmo época – têm hoje a tinta desbotada nas assinaturas e, na maioria dos casos, perderam o efeito. Tampouco o regime de certas democracias foi estável o bastante para sustentar-se no período e eternizar-se na história. Nada, mas nada mesmo, que conheça no ambiente do jazz supera a longevidade da união musical estável e progressivamente contínua dos cinquenta e quatro anos – até agora - de existência do duo Mitchell and Ruff. Iniciado profissionalmente em 1955, quando os dois músicos apertaram às mãos e deram o cordial “como vai” de praxe ao se reencontrarem na big band de Lionel Hampton. Ambos tinham em comum, além da busca da oportunidade de trabalho, o laço de amizade iniciada quando os dois prestavam serviço militar em 1947; a mútua formação universitária e a capacidade comprovada de ler música - imprescindível para entrar numa big band jazzística. O pianista Dwike Mitchell havia se graduado na Philadelphia Academy of Music. O trompista e contrabaixista acústico Willie Ruff na Yale University, onde cursou a disciplina de arranjos orquestrais para instrumentação de sopro. Trabalhando em favor de terceiros, perceberam rápido sentirem mais conforto explorando os próprios recursos em beneficio próprio. A inusitada formação de duo no jazz, porém, não inspirava grandes expectativas diante da seguinte questão: a trompa (prima da família da tuba e de uso encaixado abaixo da axila) seria compatível ao swing do jazz mesmo com sua agradável coloração harmônica mais talhada à dita música de concerto? O inusitado da combinação fez dessa a atração à parte no Cafe Bohemia em Nova Iorque. Autores de pouco mais de uma dúzia de discos – um deles com Dizzy Gillespie em 1971 – o duo de músicos emprestou também parte de seu tempo e vida na carreira de professores e pesquisadores da Yale University (um dos três mais importantes centros universitários dos EUA). Willie Ruff, o trompista e contrabaixista, correspondente à cinquenta por cento do duo, é membro influente do conselho docente daquela entidade, professor do departamento de Música e Estudos Afro Americanos. Domina pessoalmente oito idiomas de forma fluente entre eles o mandarim e o russo. Sendo criador da Duke Ellington Fellowships – bolsa destinada a proeminentes músicos negros para ensino em residência na instituição universitária. Fora do ambiente acadêmico, administra a atividade extracurricular de gerente artístico do Playback – clube de jazz localizado em New Haven. Dwike Mitchell – o cinqüenta por cento restante da dupla - é pianista com forte influência de Ahmad Jamal, John Lewis e seu maior ídolo, Oscar Peterson, leciona aulas particulares em Nova Iorque após a aposentadoria em Yale. Nessa convivência de mais de seis décadas conjunta com algumas excursões em extremidades continentais – estiveram se apresentando na então URSS em 1959 e na China em 1981 sendo dos primeiros músicos estadunidenses, fora do programa erudito, a romper o isolamento diplomático das duas nações socialistas. Com uma passagem incluída no roteiro internacional pela América do Sul no ano de 1966, particularmente no Brasil, a pretexto de pesquisa – para os mais severos críticos: averiguar o que restava “da raspa do tacho” da terceira geração que insistia ainda em produzir bossa nova. Num roteiro viajante que incluiu as cidades de Salvador, Rio de Janeiro (com tempo disponível para um “ziriguidum” e visita às quadras das escolas de samba cariocas) e Brasília. Dessa experiência musical e turística, surgiu a proposta da gravação do disco Brazilian Trip, rara oportunidade em que a reunião de músicos de jazz em parceria com brasileiros – com técnicas e formações culturais distintas – utilizam o idioma musical da bossa nova e não se revela desanimador. Para os visitantes deixo a canção Chuva , de Durval Ferreira, com o próprio compositor ao violão, Willie Ruff, Chico Batera e o piano semi hipnótico de Dwike Mitchell, retirada do cd Brazilian Trip do selo Collectables.

12 comentários:

Edú disse...

Ótima,pela suavidade, para antecipar uma noite de descanso mas eu conheço essa música de algum lugar rs,rs,rs

John Lester disse...

Pois é, Mestre Edù, nosso amanuense Severino, contratado recentemente, fez um estrago daqueles com sua resenha. Por Zeus, intervi a tempo e, agora, com a música, segue o texto.

Tenho o álbum. E recomendo.

Grande abraço, obrigado pela excelente resenha e perdoe Severino. Ele é um bom rapaz.

JL.

edú disse...

Num dia de argumentos áridos encontrei meu xanadu nos pingos de notas dessa refrescante chuva.Obrigado JL e Severino.Forte Abraço.

Salsa disse...

Boa lembrança, prezado rabino.
Som agradável e envolvente, que bem serviria como trilha de minhas bodas com Anat.

Bruno Leao disse...

Vi de perto o ilustre Salsa tirando foto com a Anat e despertando ciume por grande parte da plateia masculina. Eu consegui somente com homem. Ainda que com o Antonio Sanchez e o Avishai!

Andre Tandeta disse...

Bela descolada,Edú!
Interessante a interação dos dois americanos com os brasileiros.
Durval faz uma base espetacular, pela simplicidade e balanço, e deixa os gringos na cara do gol.
Abraço

Internauta Véia. disse...

Bom demais,rapaz!
Mas umas faixas,ok?

Érico Cordeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Érico Cordeiro disse...

Caraca, Seu Mr. Edú,
E eu que pensava que o Mitchell-Ruff Duo fosse "my personal propriety"!!!
Tenho o disco com Dizzy Gillespie e ali se encontra a melhor versão de Con Alma qque já ouvi.
Também tenho o Catbird Seat (com Charlie Smith na batera) e o maravilhoso The Mitchell-Ruff Trio, com ninguém menos que o grande Hélcio Milito nas baquetas - lindíssimos os dois - e postáveis (mas agora darei uma segurada, né?).
Que a Força esteja com você!!!
Salve, salve Mestre!!!!!

edú disse...

Obrigado aos queridos amigos pelo prestigio da visita, abro um pequeno parênteses para mencionar o caso do prodígio e hoje ,infelizmente, consumidor de crack e morador de rua ,Charles, tema da chamada Jazzseen recomenda ao lado Esse menino ,na época, tocava na região central de São Paulo no circulo geográfico da praça Patriarca,rua Direita e rua São Bento.Local onde gastei muita a sola dos meus calçados trabalhando nas imediações e estudando na faculdade de direito do largo SF.Devido ao imenso talento e proximidade da genialidade tornou-se um dos “burburinhos urbanos” de quem aprecia e realmente se importa com a música na cidade .Recebendo principalmente ajuda e apoio do jornalista econômico Luis Nassif , também um dos caminhantes desse trajeto q contempla os endereços da Bolsa de Valores e a de Mercantil e Futuros.Uma sucessão de pessoas ilustres de todas as correntes profissionais se uniram para auxilia-lo principalmente Nassif,o maestro Julio Medalha e o jornalista Zuza Homem de Mello.Jamais vi uma apresentação pessoalmente na rua mas recordo do lançamento festivo do disco Pingo de Gente e sua premiação como um dos melhores discos do ano pela APEOESP(associação paulista de críticos de arte).Fora as reportagens na TV Cultura, principalmente.A ultima vez q vi Charles foi durante o Programa Livre de Sérgio Groisman, na época no SBT.Havia recebido a noticia de seu desamparo há certo tempo e lamento o triste destino da pessoa q sofre tamanha doença e provação.Que a força arrebatadora da música q por acaso quase permitiu a modificação de sua sorte e destino lhe resgate da trágica situação q o aprisiona agora.
Prezado Sr.Cordeiro sempre temos alguma contribuição a fornecer e principalmente algo a aprender.Fique a vontade.

figbatera disse...

Beleza de música, com uma interpretação primorosa!
Ótima resenha, edú.

Roberto Scardua disse...

Poucos blogs conseguem manter-se na linha após três anos de existência e parece ser esse o caso do Jazzseen. Que seria de nós sem as resenhas bem escritas e informativas de Mestre Edú?

Obrigado.