08/10/2009

Traditional Jazz Band Brasil

Vovô Acácio talvez fosse um sábio tamanha sua humildade. Por vezes exasperava vovó Tícia com sua postura absolutamente comunal, recolhendo na rua cachorros abandonados e mendigos maltrapilhos, transbordando para nosso dia-a-dia aquele sentimento de solidariedade característico dos agrupamentos de judeus e mouros, comunidades que a História sempre cismou em alijar. Ou praticando atos que desvelavam as origens das comunas, aquelas povoações da Idade Média francesa que conseguiam se emancipar do feudalismo, governando-se autonomicamente. Nunca soubemos em detalhes qual o papel que vovô desempenhou na tomada do trem blindado, mas a velha estante de jacarandá guardava exultante a carta de agradecimento de Ernesto, segundo a qual a tomada de Santa Clara não teria sido possível sem que vovô descarrilha-se o temível ferrocarril batistiano. Tio Bravante, que também esteve por lá naquele dezembro de 1958, sempre se manteve inerte quando buscávamos esclarecer os pormenores dessa que foi a batalha decisiva para a vitória da Revolução Cubana. Seis anos depois, retornando ao Brasil em virtude de suas divergências com Fidel, vovô Acácio decide que sua luta pela liberdade passaria a ser exercida exclusivamente através da música, mais especificamente através de uma banda de Dixieland. É assim que, em 1964, idealiza a Traditional Jazz Band Brasil, talvez a mais longeva banda de jazz do Brasil. Mesmo lecionando Física Quântica na USP - e tendo entre seus alunos Mário Bunge, o filósofo argentino mais ranzinza do mundo - vovô arranjou tempo para reunir um pequeno grupo de jovens universitários paulistanos dispostos a abandonar os cabelos compridos, as passeatas e os Beatles para tocar jazz. Os ensaios, é claro, eram raros, afinal estávamos na época da pílula anticoncepcional, o que tornava as noites mais longas e muito mais divertidas. Entanto a coisa foi tomando corpo: em 1966 o 'clube do bolinha' recebe a cantora Stella Maris, fornecendo ao grupo aquela pitada feminina deliciosa.

Na década de 1970, quem não era perseguido pela ditadura podia andar tranquilamente pelas ruas brasileiras, não havia assaltos violentos, nem balas perdidas ou milícias. De segunda a sábado a Traditional Jazz Band podia ser ouvida no OPUS 2004, na Rua da Consolação, número 2004. O local não existe mais e o que restaram foram apenas fotos e sorrisos antigos. Além da boa música, a banda sempre primou pela boa apresentação, sendo marcante o estilo de seus uniformes. Entre as muitas atividades programadas por vovô Acácio para a banda, uma delas causava-lhe desusado prazer, qual seja, a participação da banda em trilhas sonoras para o cinema, como foi o caso de Eros e Amor Estranho Amor, filmes de Walter Hugo Khouri realizados em 1981 e 1982, com destaque para o tema Eros Blues. Em 1989, com 25 anos de estrada, a TJB é considerada o melhor conjunto instrumental de jazz do ano, recebendo do Museu do Ingá, no Rio de Janeiro, o prêmio Victor Assis Brasil. Seguindo a linha dos musicais da Broadway, a TJB inicia a década de 1990 com o show Mr. Jazz, contando com a partcipação de bailarinos e cantores, além da presença de Miele no papel de Mr. Jazz. Em 1993, a TJB resolve partir pra cima e implantar o Show Train: o septeto, que já havia se apresentado em circos, igrejas e aviões, resolve instalar-se num vagão-palco, percorrendo mais de 16 estações ferroviárias do Estado de São Paulo, levando ao público música e alegria gratuitamente. Muita gente, que nunca tinha ouvido falar em jazz, virou fã.

Em 1994, para comemorar seus 30 anos de existência, a TJB encomendou um bolo com 2,3 metros de altura, do qual saíram 15 sapateadores durante o show realizado no Teatro Cultura Artística, em São Paulo. Dez anos depois, já considerada uma das mais importantes bandas de jazz da América Latina, a TJB comemora seus 40 anos com diversos eventos, entre eles o lançamento de um documentário sobre a banda e uma noite de autógrafos na Livraria Cultura, no Shopping Villa-Lobos. E aqui estamos, comentava vovô Acácio, repimpado em sua velha poltrona de couro, mascando seu Hoyo de Monterrey Epicure nº2. Eu por mim não acreditava em sua tranquilidade: ninguém sabe que ele, vovô Acácio, foi o verdadeiro idealizador da TJB, nem mesmo os próprios integrantes da banda têm conhecimento disso. Mas, segundo vovô, o que importa é que ela está aí, fazendo jazz.

No site da TJB você encontra muitas informações sobre seus integrantes, agenda e álbuns. Vale apena conferir. Para os amigos deixo uma das 3 seleções preparadas pela Rádio USP FM no programa dedicado aos seus 45 anos. As demais seleções podem ser ouvidas aqui. Beijos!

9 comentários:

John Lester disse...

Querida Paula, quantas saudades de vovô! Um homem realmente raro.

Obrigado por mais uma saborosa resenha.

Grande abraço, JL.

Danilo Toli disse...

Paulinha, obrigado pelas dicas. Já ouvi o programa na íntegra. Um beijo pra você.

Salsa disse...

Já possui um disco do grupo. Dixieland é um som bastante divertido.

thiago disse...

gravata nociva

bia disse...

delicia...

Érico Cordeiro disse...

A TJB é maravilhosa.
Resenhada de forma tão simpática pela Paula fica melhor ainda (que revela os até aqui inescrutáveis segredos da orquestra paulistana).
E já me sinto um pouco neto do Vovô Acácio - tivesse ele permanecido por lá e a gloriosa ilha teria hoje outra cara!!!!
Parabéns à TJB e a você, Paula, por mais uma deliciosa resenha.

edú disse...

O grupo de jazz mais simpático do Brasil, nem sempre, porém, o mais afinado.Nosso mestre Apóstolo foi o apresentador do projeto "Vamos ao Jazz" promovido pela TJB em vários locais da cidade de São Paulo, entre eles o auditório do Hospital São Luiz no final da Av.Paulista.Semanalmente "enquadravam" a evolução do jazz do primórdios até os primeiros 45 anos de forma didática e bastante charmosa.Dedicação explicita de apaixonados pelo estilo mesmo sobrevivendo financeiramente de outras atividades profissionais e comerciais.Foi uma das raras oportunidades em q frequentei um centro hospitalar despido de absoluta contrariedade.Até mesmos os pacientes nos quartos conseguiam assistir as apresentações pelo sistema interno de comunicação do hospital.Não me surpreenderia em saber q o jazz logrou algumas curas,obtendo completo efeito terapêutico

Abílio disse...

Bela madrugada, chuvosa e fria...

APÓSTOLO disse...

Prezada PAULA NADER:

Parabéns pela resenha, em que o belo virtual supera em emoção e idade, a realidade ainda assim bonita da trajetória desses "meninos" que completaram 45 anos agora em 2009.
No Brasil, JAZZ, tradicional, 22 discos, apresentações contínuas, terra, mar e ar: como foi possível ???