Talvez tenham sido os potentes golpes de baqueta desferidos por Art Blakey os verdadeiros responsáveis pela queda do muro. Um mês antes, em outubro, ele estava em Leverkusen, no lado mais atraente do muro, comemorando tranquilamente seus 70 anos de idade, em pleno vigor físico, mantido à base de muito cigarro e doses homeopáticas de heroína, companheira que ele nunca abandonaria. Com ele estava mais uma de suas inúmeras formações do Jazz Messengers: Brian Lynch (t), Javon Jackson (ts), Frank Lacy (tb), Geoff Keezer (p) e Buster Williams (b). Entre os amigos que foram cantar o parabéns pra você, estavam alguns de seus mais brilhantes ex-alunos: Freddie Hubbard e Terence Blanchard (t), Jackie McLean e Donald Harrison (as), Wayne Shorter e Benny Golson (ts), Walter Davis Jr. (p) e Curtis Fuller (tb). A noite não poderia ter sido melhor nem mais animada, é claro. Sobretudo quando lembramos que aquele ano de 1989 tinha começado triste em 26 de fevereiro, com a morte de Roy Eldridge, trompetista que construiu a ponte entre o Swing e o Bebop. Tivemos também a perda trágica, em 9 de maio, do trompetista Woody Shaw que, não bastasse sofrer de Aids, a doença da moda, ainda teve o braço amputado por um trem logo após sua apresentação espetacular no Village Vanguard. Sempre achei que Papai do Céu não deveria permitir que grandes trompetistas tivessem os braços arrancados assim, tão violentamente. Nem que os muros durassem tantos anos e gerassem tantos sofrimentos e lamentações. Mas, antes da queda, em novembro, boas coisas também aconteceram naquele 1989, primeiro ano do governo Bush, pai. Em março, Ralph Sutton e Jay McShann lançam o álbum Last of the Whorehouse Piano Players, homenageando os pioneiros do piano jazz. Em junho, Dizzy Gillespie apresenta-se no London’s Royal Festival Hall, show que é televisionado pela BBC. Nesse ano, Dizzy faria mais de 300 shows, em cerca de 30 países e 100 cidades norte-americanas. Em agosto, Wynton Marsalis e Dr. Michael White realizam um tributo a Jelly Roll Morton no Alice Tully Hall, em New York. Em novembro, enquanto o muro era detonado por jovens sorridentes, o saxofonista Richie Cole, protegido de Phil Woods, apresentava-se na Rússia. Sim, muitos podem alegar em nosso desfavor que foi também em 1989 que Salvador Dali morreu, ou que Salman Rushdie foi condenado à morte no Irã por blasfêmias proferidas em seu livro Versos Satânicos, ou que assistimos ao massacre da Praça Tiananmem, na China, ou que houve um terrível terremoto em San Francisco. Mas, então, é preciso lembrar que, no ano em que o muro caiu, Roy Hargrove, aos dezenove anos, grava Diamond in the Rough; John Zorn, reproduzindo sons de patos e marrecos com seu saxofone, grava Naked City, para a Nonesuch; Keith Jarrett grava o excepcional álbum Standards, ao vivo em Oslo, para a ECM; Gunther Schuller, completa Epitaph, composição em larga escala de Charles Mingus, realizando sua primeira execução; não bastasse, Schuller ainda publica The Swing Era, segundo volume de sua fantástica história do jazz e Quincy Jones reúne alguns dos melhores jovens instrumentistas do jazz para gravar seu álbum Back on the Block, onde mistura bebop com rap. Na média, portanto, um bom ano, onde milhares de gemidos e as baquetas de Blakey derrubaram um dos maiores símbolos da censura. Ouça aqui a faixa Moanin’, com a turma toda que esteve no aniversário de Blakey, retirada do álbum Art of Jazz, gravado em 9 de outubro de 1989.
16 comentários:
Primeirão, de novo!
Apesar de achar Blakey um pouco esporrento, não posso deixar de reconhecê-lo como um dos pilares da tradição jazzística. Ele, sim, um muro que resistiu a todos os ataques da moda musical. Curto bastante o tema da radiola, que há muito não toco. É um balanço e tanto.
Só para constar: há algum tempo postei o disco Last of the Whorehouse Piano Players, citado acima. É muito divertido.
Prezado Mestre, o que seria de nossos finais de domingo, inícios de segunda, sem o jazz?
Se tiver tempo, dê uma passada no blog do Casé (veja resenha infra).
Grande abraço, JL.
Prezado JOHN LESTER:
Belas referências, já que entre mortos e feridos o saldo dos vivos de então foi altamente positivo.
Vivam Art Blakey, Eldridge e Woody Shaw, todos no combo D'Ele.
É a história desfilando diante de nossos ouvidos, Mr. Lester.
Mais uma vez, o bravo Capitão acerta no alvo - todas as honras a Blakey, talvez o ínico baterista do jazz a conseguir, à força de seus punhos, demolir o muro da insensatez.
Abração!!!!
Versão quebradeira de Moanin'! Fantástica.
muro sinsitro
O que posso mais falar sobre Art Blakey? Nada. Foi simplesmente um dos "gigantes do jazz" em seu instrumento. Vigoroso quando precisava ser, melódico e discreto em outras oportunidades. Um dos poucos bateristas que sabia desenvolver seus solos, com início meio e fim. É isso!
Faço das palavras do predador as minhas, uma vez que dinamismo se entremeava com centenas de formações que fez durante toda uma vida.Foi um ícone em sua época, inimitável!
Grande abraqço a todos
Leo Pontes
delicia...
delicia...
Mr. Lester,
sensacional !!!!!
Blakey é O SWING.
Gravação historica, grandes musicos,alguns gigantes, tocando como um grupo. Musicos assim não se acha na esquina.
Obrigado.
Abraço
Perdão pelo portugues de quinta categoria,é a emoção de ouvir o Mestre.
"Musicos assim não são achados na esquina."
Grato
Um belo texto-tributo, mesmo que serôdio, JL.
E o velho baqueteiro merece.
mr.lester,
retrospectiva piramidal...parabéns.
abraçsons
Formidavel resenha!
Presentão...
A melhor escola que o jazz conheceu em forma humana e infinito feeling pra fazer música .
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