06/05/2009

Gato de Schrödinger

Não está totalmente errado o amigo quando diz que os estilos West Coast e Bebop são idênticos. É certa a afinidade entre ambos. Tal identidade ocorre principalmente quando começamos a ouvir jazz, período em que podem ser considerados iguais ou congruentes, dependendo da caixa de som de que dispomos e do fumo que enrolamos. E explicações acadêmicas urgem necessárias, porque o Jazzseen é um blog sério. Conversei com outro amigo acadêmico e sério, Calser Lefo, pós-doutorando em Física Quântica na Unicamp, que nos fez a gentileza de explicar o que viria a ser o Gato de Schrödinger – um engraçadíssimo paradoxo sobre sharps e spins – e o que viria a ser o flatted fifth, alteração de acorde muito utilizada pelos músicos do bebop – ouça, verbi gratia, o final da faixa Shaw Nuff gravada em 1945 por Dizzy Gillespie. Após uma breve explanação e alguns hectolitros de Devassa, compreendi que diminutas diferenças podem ser observadas entre o Bebop e o West Coast. Nosso PhD mais próximo, Dr. Salsa, já havia sinalizado com a redução dos agudos mais estridentes, especialmente nos sopros, recurso utilizado quase abusivamente pelos mestres negros de NY, os verdadeiros pais desse estilo indomável, impossível de dançar e difícil de assobiar. Outro ponto destacado por Dr. Lefo em seu breve seminário foi a quantidade significativa de arranjos escritos no estilo West Coast, o que o diferencia da espontaneidade crua do Bebop.

Sim, há algo de música de câmara no West Coast, gritei deslumbrado diante das palavras do mestre. Ora, é claro que há, meu nobre Lester, basta ouvir o Modern Jazz Quartet. Lá do fundo do auditório repleto e alvoroçado um aluno de antropologia equatorial avançada solicitou ao mestre que demonstrasse matematicamente que as variações de acordes no Bebop eram mais numerosas e complexas do que as do West Coast. Mal coube na loiça o gigantesco quadro sinótico com centenas de equações, fusas e semicolcheias, restando comprovada, por redução ao absurdo, a tese central. Percebi que, na coluna analítica do Bebop, quase não havia pausas, essas frações de silêncio melhor aproveitas pelo West Coast. Notamos também claramente uma redução drástica dos vibratos, um maior respeito pela melodia, ou seja, pela composição, uma concentração de energia nos registros médios e um apego ainda importante ao improviso melódico no estilo West Coast (ouvir Paul Desmond), ao passo que no Bebop o tema não passava de um breve pretexto ou prolegômeno ao texto principal, agressivo e desafiador.

Já no bar, Dr. Lefo explicou que a grande confusão se deve ao fato de que havia músicos na Costa Oeste que tocavam Bebop (ouvir certa fase de Stan Getz), assim como havia músicos na Costa Leste que tocavam o estilo denominado cool jazz (ouvir certa fase de Miles Davis), irmão mais velho do estilo West Coast. Por isso, repetia o mestre, antes precisamos definir claramente o que cada um entende por Cool Jazz, Jazz West Coast e Bebop. Decidido isso, podemos verificar claramente que o West Coast é macio e fofo, enquanto o Bebop é lancinate e áspero, não importando em que volume cada um deles seja ouvido. Para os amigos deixo a faixa I Remember You , sob os cuidados de Lenny Niehaus. Prestem atenção no adstringente solo de sax por sobre a camada de algodão doce fornecida pela seção dos metais e depois respondam se essa escovinha é west coast ou bebop.

14 comentários:

John Lester disse...

Obrigado Fred por mais uma profilática resenha. Talvez precisemos de mais máscaras e luvas para isolar e eliminar o vírus.

Grande abraço, JL.

Marília Deleuz disse...

Fred, adorei o algodão doce, bju!

Salsa disse...

ok, ok, mr. frederico. É isso aí.
Se você der uma olhada nas tanscrições dos solos de parker perceberá as tais alterações das escalas (bs e #s)que, enfim, tornaram-se modelo para os improvisadores (logo, todos, vez e outra, recorrem a essa escola). Os desenhos são verdadeiras montanhas russas. Quanto às pausas, são rapidíssimas, swing em exponencial, daquelas que quebram as costelas do leigo (eu tô nessa categoria).

Camargo disse...

Pra mim é tudo igual.

edú disse...

Prezado Fred,

nosso considerado amigo e de certa forma suscitador do tema dessa resenha – André Tandeta - estará embarcando hoje, dia 07, na companhia do grande Wilson das Neves para uma curta turnê de uma semana por seu país.Rogo q seus compatriotas recebam com toda consideração devida essa intrépida brigada de grandes músicos

Andre Tandeta disse...

Mr. Lester,
concordo com o Sr..Esse virus tem que ser destruido a ferro e fogo. Afinal aonde vamos parar se cada um começar a achar que pode falar o que quer ? Quando criança ouvia muito que era preciso "haver ordem para haver progresso". O Sr. e o Sr. Bravante, na sua incansavel luta contra a ignorancia e a escuridão, com infinita paciencia tentam mostrar o caminho da verdade, mesmo a aqueles que ,como eu, relutam em perceber o que aos iluminados aparece de forma tão clara. Emocionante. Arrependido prometo que nunca mais me insurgirei contra as forças da sabedoria e do conhecimento, sempre tão braviamente comandadas pelo Sr.. Como penitencia ja escrevi mais de 1000 vezes:West Coast Jazz não é bebop. Me sinto melhor agora.
Finalizando: creio que seria justo eu reivindicar alguma remuneração pela função de "colaborador motivacional" . Pode ser um CD,que o Sr. me enviaria pelo correio.
Até uma proxima vez.

Anônimo disse...

West coast.

Érico Cordeiro disse...

Mr. Bravante esgrime seu proverbial conhecimento técnico e nos ajuda a enriquecer nossos parcos vocabulários com mimos verbais como "prolegômeno" (ai de mim se não fosse o bom e velho Houaiss). Ótimo post e ótimo gosto etílico-musical.
Aproveito para convidá-lo a dar uma passada no meu modesto bloguinho (que quando crescer quer ser igualzinho ao jazzseen).
O mesmo vale para o dileto Tandeta - estou aguardando ansiosamente sua visita (por favor me diga se o CD do Victor Biglione, abrilhantado por vossas poderosas baquetas já está disponível, como se dizia antigamente, "nas melhores casas do ramo").
Abraços a todos.

Frederico Bravante disse...

Caros amigos e visitantes, grato pelas gentis palavras. Infelizmente não poderei ouvir ao vivo o André Tandeta, uma vez que estarei no Brasil nesse período: visitarei a exposição do amigo e artista plástico Paulo Nardelli, italiano radicado no Brasil desde 1985. O evento será abrilhantado pela presença do venerável John Lester, que recitará seus novos poemas e tocará sax alto para os convidados. Se alguém estiver em Vila Velha nesse período, é só aparecer. A exposição será na Casa Bonita - Arte & Objetos, Av. São Paulo, 2329 - Itapoã - Vila Velha - ES.

Hasta luego!

edú disse...

Não fugindo ás minhas raízes judaicas : o cd do Victor Biglione com o André Tandeta na bateria e o Sérgio Barroso no contrabaixo acústico dedicado ao Jobim – Uma guitarra no Tom - esta disponível para venda no site www.deliramusica.com.br

bia disse...

Mas então Fred, a faixa é bop ou west coast? Beijo.

cs disse...

É sempre bom passar por aqui. Aprendo sempre tanto

:))

Érico Cordeiro disse...

Gracias, Mr. Edú!
Vou dar uma procurada.
Abs.

figbatera disse...

Pois é, do debate nasce a luz.
Aqui se aprende muito!
Mas eu poderia, talvez, ficar anos ouvindo uns e outros e não ter a capacidade de perceber essas sutis diferenças que, ao fim, pouco me importam.
Música, pra mim, é emoção, e desde que ela me toque, me arrepio os pelos, eu gosto e pronto.
As elocubrações teóricas ficam para os "mestres".