Já em passado recente, fui severamente censurado por alguns navegantes ao afirmar o que todos sabem: que Ornette Coleman tocava mal o saxofone e pessimamente o violino. Cheguei a identificá-lo como uma das maiores aberrações do Jazz, ao lado de Albert Ayler, o mais famoso saxofonista de circo dos horrores. Mas, ao que parece, os amigos do Free Jazz não têm motivos para tanto desassossego. Segundo Houaiss, aberração significa, entre outras coisas, "desvio do que é considerado padrão". E não é esse, prezados amigos, o caso de Ornette Coleman? Houaiss prossegue, dizendo que "aberração da natureza" é o "fenômemo natural que se nos apresenta sob formas desconhecidas, não usuais ou incompreensíveis". Bem, não podem restar dúvidas de que Ornette Coleman e sua música são, em essência, aberrações musicais surgidas já com toda a exuberância em 1959, ano em que lança o álbum The Shape of Jazz to Come. No ano seguinte, também pela Atlantic, consolida sua estranha proposta com o álbum Free Jazz, que dará nome ao novo estilo. Certamente que o estudioso de Jazz ou o amante do Free Jazz possuem, ou deveriam possuir, tais obras, mais do que básicas para a compreensão de um processo que, acreditem, prossegue fluindo ainda hoje nos subterrâneos da música chamada jazz. Eu mesmo, defensor indômito do Neo Swing e do Neo Bebop, nos moldes propostos por gente como Wynton Marsalis, tenho lá meus quatrocentos ou quinhentos álbuns de Free Jazz e, confesso, alguns deles bastante interessantes. Embora a grande maioria dos músicos do Free Jazz assemelhem-se a jovens estudantes de música drogados e sem talento que resolvem fazer rock progressivo, havemos de convir que certos elementos adeptos do Free Jazz têm sim valor musical.
E, então, brota o enigma: por qual motivo boa gama de músicos competentes têm prestado repetidos tributos a Ornette Coleman? Certamente que não são por seus dotes como instrumentista. Restam, assim, suas composições, idéias e teorias musicais que, volta e meia, engendram intermináveis discussões nas academias, esses centros multiplicadores de notas de rodapé que, invariavelmente, dividem-se entre as que o consideram um gênio e as que o rotulam de néscio. De nossa parte, como pessoas comuns, do tipo que ainda não distingue adequadamente um dó sustenido de um si bemol, preferimos ouvir a música de Ornette Coleman pela "boca" dos outros. Um deles é o grupo Affinity, um dos melhores grupos de free jazz da década de 1990, formado por Joe Rosenberg (ss), Rob Sudduth (ts), Richard Saunders (b) e Bobby Lurie (d). Todos impressionam pela perícia técnica e pela criatividade. Certamente um dos grupos do free mais agradáveis de se ouvir e que posso recomendar tranquilamente para os ouvintes de boa vontade que pretendem conhecer a evolução do estilo. Para os amigos selecionamos a faixa Afrique , retirada do álbum Plays Nine Modern Jazz Classics – 1993 – Music & Arts, uma excelente releitura de composições de Thelonious Monk, Lee Konitz, Eric Dolphy, Anthony Braxton e - para onde esse mundo vai? - Ornette Coleman.
A outra "boca" que diz bem Ornette Coleman é a de Tiziano Tononi, baterista com formação tanto no ambiente da música clássica quanto no do jazz, chega a estudar com Andrew Cyrille. Nascido em 1956, em Milão, Tononi dedica-se desde cedo a novas formas de improvisação e composição, formando o trio Moon on the Water, efetuando também releituras do repertório contemporâneo. Com o saxofonista Daniele Cavallanti, forma o conjunto Nexus e o duo Udu Calls, realizando uma série de gravações com importantes músicos convidados, entre eles Dewey Redman. Mais recentemente, através do seu grupo Society of Freely Syncopated Organic Pulses, Tononi vem realizando uma série de tributos a músicos do Free Jazz, entre eles Don Cherry, John Coltrane e Roland Kirk. Não bastasse, Tononi foi um dos fundadores da respeitada Italian Instabile Orchestra, onde suas composições têm sido regularmente executadas. Para os amigos, a faixa And Now We Interrupt for a Commercial , com Tiziano Tononi & The Ornettians, retirada do álbum Peace Warriors: Ornette Coleman Revisited, Vol. 1, lançado pela Black Saint em 2005. Parece ser como um bom vinho o free jazz: pode beneficiar-se com o passar do tempo. Desde que bem acondicionado.
12 comentários:
Prezado JOHN LESTER:
Quem é Ornette Coleman ? ? ?
Abraços.
sons sinistros
Ornete Coleman esta para meu paladar e audição como a pizza no modo rodízio.Jeito abominado pelos gourmets – confraria que jamais contara com minha adesão e presença.Por mais que ame umas redondas de mussarela, calabresa,margherita.Jamais apreciarei - salivando a boca - uma frango com catupiry, uma strogonofe(sim , existe) ,brócolis ou bacon.Escuto Coleman com respeito mas sem me empolgar.Ele se encontra nos anais do jazz, para o bem ou para o mal.Não causando, espero, nenhuma indigestão. Apenas uma incômoda fadiga aos ouvidos.
Digníssimo John Lester:
Parafraseando o sr.Apóstolo também pergunto: Quem é Ornette Coleman ou melhor ainda quem foi Ornette Coleman para merecer tanta atenção desse blog ? Apesar de suas explicações, não era necessário gastar espaço e a paciência dos apreciadores de jazz com essa matéria. Nem os mais tenazes "seguidores" do dito free jazz aguantam Ornette Coleman.
Caro Mr. Lester
Prefiro chamar o free-jazz de música experimental. Assim, os músicos pesquisadores Anthony Braxton e John Zorn estão bem acima de Ornette Coleman.
Infelizmente, ainda não me sensibilizei com a música experimental, pois meus ouvidos insistem em ressonar com música tonal. Se existir reencarnação, fica para a próxima.
Não sei o motivo de tanta implicância com Ornette. Eu adoro a sua música e, por consequência, adoro o free jazz.
Seus ranzinzas!
O peso dos anos desaba sobre minhas costas, Mr. Lester.
Meus ouvidos calcificaram a poeira dos tempos e o som de Mr. Coleman (o Ornete, não o Hawkins) ali não reverbera - não por preconceito ou por purismo, mas por absoluta falta de afinidade.
Não consigo entender o free, embora respeite os seus abnegados seguidores - vejo neles uma sinceridade e uma integridade bastante profundas.
Mas o som que caras como Braxton, Brotzman, Ayler e outros fazem não me emociona e nem empolga. Prefiro um bom rodízio de pizza, com coca-cola normal (nada de light ou diet) - Seu Mr. Edú que me perdoe e não me tenha na conta de glutão, mas entre ouvir os guinchos de Ayler e uma boa fatia de portuguesa ou da tradicionalíssima napolitana, fico com estas.
E, Paula, por favor, não é ranzinzice, é só uma ligeira incompatibilidade, ok?
Abraços a todos!
Mr. Lester,
o quarteto com os dois
saxofonistas é muito bom. Essa musica foi gravada por Art Blakey no disco "Witch Doctor",da Blue Note,um tema tipico do Jazz Messengers do começo dos anos 60,com Lee Morgan e Wayne Shorter. Nessa versão a composição é explorada modalmente,o que sempre da mais liberdade do que solar sobre harmonias, mas não creio que possa se chamar de free jazz . De todo modo muito bom grupo e gravação.
A gravação dos italianos é interessantissima.Começa totalmente free e depois junta tradição,no tema, com improvisação livre.
Bacana Mr. Lester,o Sr sempre iluminando nossos ouvidos,por assim dizer.
Ornette Coleman eu não gosto.
Abraço
Há muito tempo caiu o tabú pelo qual o jazz teria que ter um swing pré-definido pra ser denominado como tal. Eu mesmo já enjôo ao ouvir aquele tradicional balanço característico do hard bop que tanto me fez estalar os dedos e swingar...
O Free jazz de Ornette Coleman, foi muitas vezes motivo para abusos conceituais e sandices barulhentas, mas não se há mais dúvida que Ornette Coleman influenciou a todos - sim, a todos mesmo - os músicos de jazz que viriam depois. Aliás, até mesmo Wynton Marsalis já usou estruturas livres em composições como Blood on the Fields, por exemplo.
Questão de gosto não se discute. Mas muitas pessoas não conseguem gostar de free jazz simplesmente por má vontade e preconceito. Não é o caso de muitos dos senhores aqui...Mas, no geral, acho que as pessoas deveriam olhar com mais curiosidade para muitas gravações do free jazz, afim de perceber que, como a pintura de Pollock, o free é nada mais do que um conceito de som que exige despretenciosidade e espontaneidade. Hoje já é considerado algo muito autêntico. Uma revolução, assim como foi o bebop!
Ouça Science Friction, meus caros: Tim berne...aquili é a evolução do free!
Prezado Mr. Tandeta, pela primeira vez, e, espero, não a última, concordamos absolutamente. Perfeita sua observação acerca da comunhão entre tradição e livre improvisação, conceito gerado em 1947 por Lennie Tristano e utilizado com alarde por músicos fanatsiados tocando apito.
Por outro lado, concordo amplamente com Mr. Pitta, embora não creia que Wynton Marsalis seja muito afeito à música de Onette Coleman. Ao menos foi essa a impressão que tive nas duas vezes em que lhe visitei no Lincoln Center, quando conversamos rapidamente.
Grande abraço a todos, JL.
Tem uns dois discos do Coleman que eu curto. Valeu o post, mr. Lester
Mr. Lester,
a ideia de um blog como esse seu Jazzseen é justamente o livre debate de ideias,de preferencia discordantes. Se todos concordam todo o tempo fica chato e perde o sentido. Que venham mais discordancias ,cada um que apresente suas armas ou suas cartas. Eu não tenho 400 ou 500 discos no total de minha discoteca mas todos o que tenho eu gosto e procuro escutar regularmente ou então são doados ,trocados ou ate vão para a lata de lixo.
E quem são os musicos fantasiados tocando apito? Art Essemble of Chicago,por exemplo, se apresentavam fantasiados mas no concerto que vi deles não lembro de apitos mas tinha um megafone numa certo momento. Seriam eles ?
Abraço
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